Variações Enigma | Livro lança uma luz crua nos pensamentos e desejos humanos

Priscila Dórea
5 Min de Leitura

Em seu novo livro, André Aciman mais uma vez nos presenteia com o seu poder de pôr em palavras toda a verdade, loucura e paixão dos pensamentos humanos. Em Variações Enigma, acompanhamos os intensos sentimentos de Paul desde os 12 anos até a vida adulta: quando se apaixonou perdidamente pelo marceneiro dos pais; quando acredita estar sendo traído pela namorada e se interessa pelo parceiro de tênis e embaixo de muita neve quando estava na faculdade.

O título do livro faz referência à obra orquestral Enigma Variations, do compositor inglês Edward Elgar, que compôs 14 variações do mesmo tema, cada uma retratando um amigo. O livro é dividido em cinco partes e lembra muito um diário, com cada parte contando a história de um amor (ou dois) da vida de Paul em alguma época de sua vida.

O amor é o tema, com suas variações e loucuras. Todas as relações de Paul são intensas e caóticas, fazendo com o que o leitor se sinta da mesma forma. A primeira parte com certeza é a minha preferida. A descoberta de sua sexualidade através da atração quase inexplicável que sente por Nanni é incrível de diversas maneiras. É impressionante o modo como o autor consegue nos fazer mergulhar na cabeça de Paul e perceber junto a ele toda evolução e mudança que acontece com seus sentimentos.

“Minha vida começou ali e parou ali em um verão distante, naquela casa, que não existe mais, naquela década, que passou tão rápido, com esse nunca-amor que alterou tudo, mas não deu em nada. Você fez de mim o que eu sou hoje, Nanni. Aonde quer que eu vá, todas as pessoas que eu vejo e desejo acabam sendo mensuradas pelo brilho da sua luz. Se minha vida fosse um barco, você seria aquele que subiu a bordo, ligou as luzes de navegação e nunca voltou.”

Isso tudo é possível graças ao modo como Aciman se tornou capaz de escrever de forma tão real os pensamentos humanos – os melancólicos, os exultantes, os loucos e os dramáticos -, em suas histórias. É uma marca de sua escrita, já vista em Me Chame pelo seu nome e que o torna rapidamente reconhecível em poucos parágrafos.

A verossimilhança com a realidade causa tanto reconhecimento, que chega realmente a irritar o tanto que uma história pode cutucar as neuras e pensamentos de quem está lendo. Paul pensa demais, analisa demais, cria e recria situações em sua cabeça imaginando todo o tipo de coisa que pode e que não pode vir a acontecer quando ele resolver tomar uma atitude.

Paul se move através de diversos arrependimentos por coisas que não teve coragem de fazer ou que fez tarde demais.  Seu problema não é que você entende errado os sinais; você só vê sinais, Manfred diz para ele em dado momento do livro, e essa é uma frase que descreve bem muitas situações pelas quais ele passa. Ele sempre se apaixona de forma apaixonada e efervescente, e quando entra em um relacionamento mais duradouro com alguém, em algum momento outro amor fervoroso arrebata ele em uma batida de coração.

“Isso é amor, ele teria dito, acanhamento é amor, o próprio medo é amor, até o desdém que você sente é amor. Todos nós chegamos a ele do jeito errado. Alguns percebem de cara, outros precisam de anos, e para alguns só vem em retrospecto.”

Variações Enigma é aquele tipo de livro que, mesmo cutucando nossas cicatrizes, não nos faz querer parar de ler. Nos faz pensar nas diversas situações que entramos e que evitamos e porque evitamos, de forma consciente ou não. Paul é a tradução em palavras de tudo aquilo que a humanidade se torna quando busca, encontra, busca outra vez e cede ao amor.

O livro nos faz questionar se bebemos do vinho da vida ou se sequer vamos experimentar um dia, com Paul procurando desvendar um enigma que talvez pouquíssimas pessoas consigam desvendar.

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Jornalista e potterhead para toda eternidade, tem um amor nada secreto por mangás e picos de felicidade com livros em terceira pessoa. Além de colaboradora no Cinesia Geek, é repórter do Grupo A Tarde e coapresentadora do programa REC A Tarde.
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