Adaptando o livro Mickey 7, Bong Joon-ho retorna aos cinemas depois do sensacional e premiado ‘Parasita’.
O diretor sul-coreano volta para uma produção em Hollywood que mais uma vez respira o seu cinema. Se em outras obras como Expresso do Amanhã e Okja o diretor já voltava seus olhos para desigualdade social e a ganância, Mickey 17 é o combo perfeito desses dois trabalhos adicionado com Parasita para realizar um sci-fi que brinca e questiona essas temáticas em um longa divertido, reflexivo e que raramente parece ter sido trazido por um estúdio em Hollywood.
Na trama, Robert Pattinson vive Mickey Barnes, um jovem que já desistiu da vida na Terra e busca alternativas para o seu interminável sofrimento financeiro e psicológico.

Acompanhado por milhões de outros indivíduos com problemas similares, menores ou piores, ele se candidata para uma missão extraterrestre comandada pelo político megalomaníaco Kenneth Marshall interpretado por Mark Ruffalo. Na ficha de inscrição, porém, ele opta por ser um Descartável, opção essa que acabará com o seu corpo original: o cargo exige que ele morra repetidas vezes para que novidades científicas possam ser estudadas por meio de seu físico.
Joon-ho aqui une o melhor dos seus últimos projetos para nos trazer uma jornada de autodescobrimento e um retrato propositalmente caricato da atual situação geopolítica do mundo, utilizando de detalhes para denunciar, de maneira cômica e inesperada, as mazelas causadas pela desmedida ambição humana.
Mesmo com o cenário absurdo em vários momentos, em Mickey 17 o diretor consegue com comentários ácidos, mostrar o funcionamento de uma sociedade predatória.

É bizarro como o texto fica incrivelmente atual, visto na figura excêntrica de Kenneth Marshall vivido por um Mark Rufallo absurdamente caricato e sendo uma mescla de Donald Trump e Elon Musk que emerge como um mercenário ególatra que não pensa em nada além de si mesmo e que é apoiado por seguidores cegos e pela repulsiva esposa Ylfa (Toni Collette incrivelmente caricata também), e posa como um “salvador branco” da humanidade que não tem conhecimento de nada além do que ele quer e se utiliza de metáforas pronta para manter seu grupo engajado nas suas idéias de liderança.
Enquanto a Mickey, está a famosa frase: “o empregado do mês”, visto que ele é por ser um descartável, o trabalhador “perfeito” para uma empresa. Ele trabalha até a exaustão e se morrer é impresso novamente, para continuar a fazer pelo bem da sociedade. É a velha e boa crítica ao capitalismo e de como ela explora o trabalhador, além de bater em pautas bem recentes sobre a escala de trabalho. Ainda sim , o texto de Joong-ho é sagaz em colocar a ética da clonagem em jogo de um jeito que deixa o filme ao mesmo tempo que você gargalha reflete junto a ele. Qual a importância da vida se ela é descartável e será reimpressa? Essa e muitas outras são fruto de reflexão durante e após a sessão.

Toda a sequência introdutória do que um Descartável ou tripulantes comuns fazem na missão destaca que é um experimento inédito na história do mundo, o que contribui para a sensação desconfortável de estarmos observando algo até então antiético na ciência avançando entre lideranças mundiais com base em jogo político. Nada surpreendente para o mundo que vivemos.
A parte técnica impressiona demais. A construção do gélido planeta Nifheim é lindo devido a fotografia fria e desolada com planos bem abertos que realçam o quão imerso em solidão para o protagonista é aquele local e seu trabalho ali. Os efeitos visuais também são muito bem feitos, principalmente das criaturas rastejantes que existem no planeta.

Criando cada vez mais uma carreira sólida, Robert Pattinson domina os holofotes em um papel duplo, permitindo que ele reafirma sua versatilidade performática ao até mesmo modular a voz para se encaixar com perfeição ao que Mickey representa.
Junto a ele temos Naomi Ackie, interpretando a oficial Nasha Adjaya e namorada de Mickey, que fornece um teor mais sério e que a torna protagonista das cenas de ação, Steven Yeun, dando vida ao piloto Timo, também tem o seu momento de brilhar, trazendo um caráter bastante duvidoso.
Mickey 17 é mais uma obra de qualidade de Bong Joong-ho que capta bem em um sci-fi o melhor dos trabalhos do diretor trazendo um texto que satiriza o capitalismo e a ganância humana como só o realizador faria e trazendo de cia um ótimo Robert Pattinson para criar um dos melhores filmes dessa primeira leva de 2025.