A temática do HIV, ainda hoje é considerada tabu por alguns por tamanha falta de informação e pouca discussão sobre as condições dos soropositivos. E isso não se limita ao Brasil. Pouco se fala também da questão dos indetectáveis, pessoas com HIV que já estão em tratamento e possuem um minúsculo risco de transmissão. Os casais sorodiscordantes (em que um possui o vírus e o outro não) também formam outro tópico pouco comentado. Se falar disso já é complicado nos dias de hoje, imagine durante a concretização da epidemia de Aids no mundo. E esse é o cenário em que se passa “120 Batimentos por Minuto”, filme de Robin Campillo e pré-selecionado da França para o Oscar 2018.
O filme mostra os bastidores e a atuação do grupo ativista ACT UP, durante a década de 1990, na luta contra a indústria farmacêutica (aqui representada pela Melton Pharm) e o lobby realizado em cima de medicamentos para o tratamento da AIDS.
Com diversas cenas que se passam durante uma reunião da organização, o espectador logo é envolvido e parece fazer parte do grupo, entendendo todos os lados das discussões geradas e se irritando com os planos que não são bem executados.Há um interesse didático em acompanhar cada um dos membros em suas falas. E os poucos cortes (somados aos movimentos da câmera, inicialmente perdida como nós, tentando entender o que está sendo falado e quem são aqueles que falam) do início reforçam essa ideia, algo que logo é deixado de lado, buscando mais dinamismo, como na cena da invasão à Melton Pharm.
O filme também sabe bem explorar o debate através de alguns arcos, como a morte de um dos membros, mostrando as diversas etapas dos males provocados pela AIDS.Por que a indústria farmacêutica demora para apresentar resultados? Por que o debate é tão oculto na mídia (considerando o período em que a história acontece)? Como lidar com o medo da morte? A discussão do que não é mostrado, mas sugerido por cenas, nas quais as personagens choram ou se exaltam – aparentemente sem motivo algum – é comovente, sem ser apelativa.
Falando assim, fica até parecendo de que 120BPM se assume como um mero filme panfletário e denunciativo da época, mas a habilidade do roteiro de Campillo ao lado de Philippe Mangeot é tão denso na representação das várias vertentes existentes e tão humano sobre os caminhos percorridos pelos personagens que o filme se torna igualmente relevante. O olhar do diretor é isento de julgamentos, e se faz de todo o seu vasto conhecimento sobre cada forma de agir da organização para firmar seu panorama como uma recriação audiovisual de um momento importante na história da luta contra a AIDS, passeando entre a esperança e as perdas inevitáveis cruzarão tantos caminhos. Campillo enriquece seu filme com o despertar da emoção e comoção que apenas o cinema é capaz de extrair de uma história com tamanho impacto.
O ponto negativo fica em o diretor alongar o filme além da conta pra explorar mais o arco do o relacionamento de Sean e Nathan, que durante o primeiro ato fica bem sugestivo e condizente em evidenciar os dramas sofridos por um soropositivo em sua luta pela vida.Porem o novo plot acaba sendo um tanto obvio, que se fosse retirado daria um pouco mais de dinâmica ao longa sem perder sua qualidade.
Mas mesmo nesse excesso existem méritos, e as atuações de Nahuel Pérez Biscayart e Arnaud Valois são primorosas. Enquanto o primeiro chama a atenção por seu comportamento envolvente e carismático, o segundo vai pelo outro lado, como um novato no grupo que é mais tímido e introspectivo. Daí surge um relacionamento tão plausível e honesto, que compensa (em partes) os cansativos 140 minutos do filme. E não apenas aos dois cabe o destaque, boa parte do elenco principal do ACT UP está muito bem.
Assim, apesar do tropeço em seu segundo ato, “120 Batimentos por Minuto” é eficiente em mostrar uma luta árdua na França da década de 1990 pela simples vontade de viver.E digo mais, o longa serve de alerta para uma juventude que parece se entregar à alienação, mostrando uma terrível realidade do passado que parece ganhar força novamente ao analisarmos os recentes números do HIV no mundo. Mas o retrato aqui não é pessimista, é de esperança, mas reforçando que para que as coisas melhores, a união é necessária e urgente.
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