CONTÉM SPOILERS
Após uma mudança brusca de cenário, saindo do parque de estética velho oeste para uma capital futurística, era de se esperar que muita coisa mudasse na terceira temporada de Westworld, série comandada por Lisa Joy e Jonathan Nolan. Após uma segunda temporada que dividiu a opinião dos fãs, uma mudança era até bem-vinda.
Porém, após episódios iniciais promissores, como o excelente The Absence of Field, a série pareceu fazer uma mudança brusca negativa – ao invés de temas fortes, a série se apoiou na faixa preta de Taekwondo da Evan Rachel Wood e no orçamento recheado da HBO para focar em ter um apelo visual forte e esqueceu de investir em bons roteiros.
É fácil falar que foi um suposto pedido que a série aproveitasse o reboot suave para se tornar mais simples, mas isso não explica o enfraquecimento dos temas da série e da forma que eles são trabalhados. Não é por não poder ter duas linhas do tempo que o roteiro tem que passar de questionar qual a diferença real entre inteligências artificiais e humanos para o questionamento vago de “será que livre-arbítrio é bom? E será que os humanos merecem ele?”.
A simplicidade tediosa do roteiro não fica só nos temas – é possível ver como os arcos dos personagens foram feitos de forma preguiçosa. A Maeve, que é uma personagem carismática feita pela talentosíssima Thandie Newton, passa a temporada toda seguindo ordens de um cara que quer que ela mate a Dolores, já que talvez a Dolores perturbe a paz da sua filha. E, em uma temporada inteira em que Dolores e Maeve se encontram diversas vezes, esse conflito se arrasta desnecessariamente até os minutos finais do finale, quando essa conversa poderia ter acontecido muito mais cedo e evitasse que o conflito entre as duas personagens mais queridas da série fosse tão forçado.
Mas o desperdício de bons atores não para só por aí. Tessa Thompson é uma das consciências da Dolores, essa no corpo da Charlotte, e é satisfatório como o primeiro mistério da temporada a ser resolvido, tendo o brilhante “The Absence of Field” para a Tessa mostrar suas habilidades como atriz.
Porém, depois de prometer ser o melhor arco da temporada, “Charlores” vira uma traidora de planos vagos e desconectos do plot, dando telefonemas assustadores e agindo como Deus Ex Machina quando necessário – como poderemos fazer a nova Dolores super forte ser rendida pela Maeve quando o roteiro precisa? Ah, a Charlores consegue fazer ela congelar, de alguma forma. Como? Por que ela não fez isso antes? Melhor deixar para lá.
No fim, ela ficou mais marcada como instrumento para queerbait (quando dão espaço para parecer que dois personagens tem uma dinâmica LGBTQ+ mas não de forma clara, apenas para conseguir a atenção do público LGBTQ+ com a promessa de representação) e para prometer uma quarta temporada interessante.
E até a própria protagonista, a Dolores (Evan Rachel Wood), tem um arco confuso. Não sabemos muito bem o que ela quer – ela realmente quer a libertação dos humanos ou só que eles se autodestruam para popular o mundo com os seus? – então é difícil contextualizar que reações deveríamos ter aos revezes em seus planos. É uma forma barata de manter o público se questionando que basicamente se baseia em fazer a gente questionar se o protagonista é tão esperto quanto parece, mas infelizmente tem como consequência nessa terceira temporada que a motivação da personagem seja revelada nos últimos minutos do último episódio, assim evitando que a gente perceba, ao longo da temporada, que a quantidade de voltas que ela dá e brigas que ela tem com a Maeve são desnecessárias – ela só precisava que a Maeve tivesse perto quando ela fosse conectada ao Rehoboam e o Caleb, minimamente motivado contra o sistema.
E já que citamos o Caleb, vale a pena questionar se o que veio primeiro foi o personagem ou o desejo de adicionar o Aaron Paul ao elenco. Independente da resposta, Aaron Paul não é uma boa pedida para o Caleb, um jovem soldado e criminoso impressionável. Caleb não deveria ser interpretado por um homem de 40 anos, com entradinhas e tudo, com o físico comum à um homem de meia idade. Se é para o personagem parecer um combatente capaz perto de uma robô super forte e precisa, além de impressionável por seu papo revolucionário vago e passado impreciso, ele teria que ser 10 anos mais jovem e 10kg mais musculoso.
Se o Aaron Paul era requisitado no elenco pelo seu carisma, era necessário escrever um personagem que combinasse com sua aparência física, além de escrever momentos para deixar o carisma do ator brilhar. Aaron não conseguiu um momento, uma cena em que pode deixar seu talento brilhar e entrar oficialmente nas Olimpíadas da atuação que costumava ser Westworld. O protagonismo que parecem querer passar da Evan Rachel Wood para ele não cola, sua família é apresentada e esquecida, seu passado no parque não faz sentido, sua história com o amigo é mantida como um mistério óbvio desde o início.
Serac (Vicent Cassel) é um antagonista tão raso e desimportante – até a revelação que ele ouvia o Rehoboam é sem graça. Ele não chega aos pés do nível de ameaça representado, por exemplo, pelo Man in Black (Ed Harris) na primeira temporada.
William (Ed Harris), Bernard (Jeffrey Wright) e Stubbs (Luke Hemsworth) tem objetivos vagos que não vão para lugar algum e não servem para nada na série. É um desperdício espetacular de três bons atores, com o excelente Ed Harris sendo ainda gasto em promessas para a temporada seguinte, finalizando o arco de seu personagem de forma chocante na hora e, após alguma reflexão, triste. O fim do antagonista da série em uma mera cena pós créditos? É muito foco no apelo momentâneo e pouca consideração pela história.
E, já que o visual é tão mais importante na série, pelo menos as cenas de luta poderiam ser melhores. É legal ver a Evan Rachel Wood andando de moto numa cidade futurista, e os sets da série são bonitos e auxiliam a contar a história, mas os elogios param por aí. Quando uma cena de luta acontece – o que agora, é quase todo episódio – todo o momento da história dá uma pausa para dar lugar para aquela briga. Ao invés de serem parte importante do desenvolvimento da história, é tempo perdido em coreografias mal feitas e mal pensadas – qual o sentido da Maeve carregar uma katana ao invés de uma arma para atirar na Dolores, quando ela tem acesso à todas as armas que quiser? Porque é legal ver a Thandie arrastar uma katana no asfalto.
E, já que a história parece ter tão pouco para contar, era de se esperar que ter menos episódios fosse uma coisa boa, mas infelizmente não é tão simples. Nas últimas temporadas, haviam episódios dedicados à personagens que não só enriqueciam a tapeçaria de atuações brilhantes na série, como davam tempo para o público refletir mais sobre o mundo criado em Westworld. Agora, no mundo real, os humanos são menos desenvolvidos que qualquer anfitrião, e é difícil ligar para qualquer coisa que acontece com eles, ou até entender direito como esse mundo controlado por uma inteligência artificial funciona em diferentes esferas sociais.
Eu costumava brincar com quem abandonou a série na metade da primeira temporada, alegando que era muito complicada, que Westworld fingia ser mais inteligente do que era – no caso da primeira temporada, talvez fosse até verdade, em parte, por focar mais em entretenimento do que em explorar a fundo as questões complexas que trazia, mas não chegava a ser um defeito – é uma série, afinal, não um artigo científico. Mas, infelizmente, isso se provou verdade numa temporada de arcos fracos e mal desenvolvidos, personagens rasos e motivações vagas, com temas clichês que mal são explorados.
Não é possível saber se foi chateação dos showrunners por não poderem fazer uma temporada com lapsos temporais, mas é notável a queda de qualidade do show ao perder o que tornava ela especial: atuações excelentes e história cativante. Não era comum ver alguém que ligava em Westworld para ver visuais legais, mas talvez agora o público precise fazê-lo; afinal, não restou muita coisa.