ESSA CRÍTICA TEM SPOILERS.
É triste ver como o efeito de fãs agirem como donos de certa propriedade intelectual pode ser negativo. A conclusão da nova trilogia da saga Star Wars se entrega completamente aos desejos de fãs insatisfeitos com o melhor episódio recente, The Last Jedi, e perde a chance de realmente encerrar a história e temas dessa etapa de filmes.
Star Wars Episode VII: The Force Awakens é pouco corajoso e se baseia muito em nostalgia, nervoso demais com a lembrança do fracasso dos episódios I a III para arriscar novos temas.
Mas pelo menos ele é competente, não só como filme por si só mas como o começo de uma trilogia. Já The Last Jedi é confiante em dar respostas inesperadas e tematicamente interessantes para os questionamentos trazidos pelo primeiro filme, apontando a fixação do público com apenas uma família e a devoção por simples objetos.
Rian Johnson conta um bom filme e dá novos ares, novos temas à saga, atiçando a curiosidade de quem se permite e conseguindo ótimas atuações de seu elenco, com destaque para a construção do relacionamento entre Rey (Daisy Ridley) e Kylo Ren (Adam Driver), sinalizando como os dois são igualmente poderosos para maior equilíbrio na Força mas também igualmente conflituosos, lidando com suas batalhas internas entre os dois lados, já que o equilíbrio e tentação existem também dentro deles.
Como continuação, ele também funciona: amarra alguns questionamentos e aponta novos caminhos para o capítulo final, como Poe Dameron (Oscar Isaac) ser líder dos novos Rebeldes, que precisam se reconstruir; Finn (John Boyega) e Rose (Kelly Marie Tran) se ajudarem a procurar a melhor forma de lutar, sem sacrifícios desnecessários e sim se mantendo vivos e resistindo; e Rey e Kylo Ren tentarem entender como lidar com seus poderes e história, pesos compartilhados mesmo que completamente opostos.
Mas os fãs nostálgicos, que veem Star Wars como algo religioso, dogmático, que pertence à eles, detestaram o filme. Odiaram que Rey não era filha de algum personagem conhecido, odiaram que Luke (Mark Hamill) era um ser humano e não uma figura mítica incapaz de falhar, odiaram que Kylo Ren era cheio de conflitos e fraquezas claras, e detestaram que Snoke (Andy Serkis) não teve uma história explicadinha e foi morto antes de conseguir isso.
Então The Rise of Skywalker tenta apaziguar esses fãs sem perder completamente quem amou The Last Jedi, enquanto refaz o segundo filme da trilogia e tenta concluir do jeito que dá a história. Para compensar a estranheza que é ver tudo que já foi apresentado ser desfeito e remontado em apenas algumas frases, assim como o abandono total de temas sem substituição por novos, o filme é cheio de fanservice, referências e aparições especiais, apelando completamente para nostalgia como forma de maquiar covardia.
Nem tudo no filme é irreparável. Os atores estão tentando tirar leite de pedra, como Adam Driver e Daisy Ridley – é irônico quando Rey fala que “as pessoas ficam dizendo que me conhecem, mas ninguém me conhece”, já que é verdade, pois a personagem e suas motivações mudaram muito recentemente. Mas a química entre os dois, baseada na construção delicada feita por Johnson, é um dos pontos altos deste filme.
A fotografia é bonita, especialmente as sequências iniciais e as cenas de luta por Skype da Força entre Rey e Ren, que tecnicamente devem ser um pesadelo de filmar e montar. A trilha sonora faz o que pode para trazer emoção autêntica para diálogos e momentos não muito bem construídos. O timing cômico de C-3PO também está ótimo.
Mas os revezes são muito grandes. Nas atuações, alguns membros do elenco estão divorciados emocionalmente do papel, como Kelly Marie Tran, que teve Rose brutalmente cortada de qualquer aventura para tentar irritar menos os racistas misóginos que tornaram a vida da artista um inferno após o episódio VIII.
Poe também passou de um jovem idealista, corajoso e impulsivo para um cara rude e impaciente, incrivelmente grosseiro com C-3PO mesmo após ele praticamente morrer e brigando com Rey do nada. Oscar Isaac, o homem hétero que mais se machucou com homofobia na história recente, deixa claro sua irritação com o desperdício da química entre Finn e Poe, e é possível perceber como ele faz parte de suas ações no automático, como flertar com Zorii, um desafeto que serve exclusivamente para dar acesso à nave de Kylo e servir como interesse amoroso de Poe, tão desimportante que nem vemos seu rosto.
Hux (Domhnall Gleeson) é completamente desperdiçado. Ele podia ser um contraponto para Kylo Ren, o Obadiah Stane dele, como forma de alavancar sua redenção sem que tudo dependa de sua atração por Rey e do suicídio de sua mãe. Ren é mau até que ele não é mais, e Hux tinha sido preparado, ao fim de The Last Jedi, como uma forma do roteiro potencialmente evitar isso.
E falando nele, o roteiro está um caos. Mesmo se tentarmos ignorar o abandono temático e de plot points do seu antecessor, The Rise of Skywalker mal consegue ser uma boa experiência por si só, com planos que são explicados e depois funcionam de forma completamente diferente, o que é ignorado, e revelações ridículas com implicações esquisitas.
Essa é a hora de se queixar do pior ponto do filme: a revelação que Rey é neta de Palpatine (Ian McDiarmid), que estranhamente está vivo há décadas preso por fios a um guincho, clonando Snokes para manipular, fabricando naves com a potência de Estrelas da Morte e mandando mensagens de voz mentais para Ren fingindo ser Darth Vader, seja lá qual a razão artificial para isso, já que o roteiro não se preocupa em tornar essa situação natural.
Além desse fato ser completamente do nada, vai contra toda a construção de Rey como uma ninguém que acabou sendo favorecida pela Força, divorciada das intrigas internas dos personagens principais das primeiras trilogias e os vendo como figuras míticas. E também cria um desconforto parecido com Harry Potter and The Cursed Child, em que acabamos tendo que encarar um vilão humanóide esquisito como uma figura potencialmente sexual.
E a cereja no bolo de podridão é quando encerram o filme com ela se declarando Rey Skywalker, com a benção de Luke e Leia como fantasmas, mas não de Ben, perdendo a chance de mostrar alguma mudança no status quo ao ressignificar o nome Palpatine.
É triste ver tanto talento e potencial desperdiçado por medo de frustrar fãs rígidos, silenciando curiosidade e experimentação. E é ainda mais triste ver que esse filme, no geral, parece ter sido mais apreciado por fãs da saga que outros episódios mais corajosos, com o dobro da aprovação do público no Rotten Tomatoes em comparação com The Last Jedi. Recompensa covardia e mediocridade em um meio já sufocado pelo medo de perder público ao tomar decisões interessantes.