Santuário dos Ventos | Martin e Tuttle mostram o poder de uma história escrita por quatro mãos

Priscila Dórea
6 Min de Leitura

Enquanto George R. R. Martin não traz a luz o novo livro das Crônicas de Gelo e Fogo, a Editora Leya resolveu sanar nossos corações desesperados com as publicações do autor ainda inéditas no Brasil. Santuário dos Ventos nasceu de uma parceria entre Martin e Lisa Tuttle, premiada escritora de livros infantis e fantasia. Dividido em três partes, a história começa com Tempestades, conto escrito pela dupla no final da década de 70 que lhes rendeu um Locus Award.

Anos depois, ambos resolveram dar continuidade à história criando mais duas partes: Uma-asa e A queda, e transformaram o conjunto em um romance que foi publicado em 1982. Na história, após um desastre espacial, os tripulantes de uma nave intergaláctica passam a habitar uma região que chamam de Santuário dos Ventos, um mundo de pequenas ilhas, de clima difícil e mares infestados por monstros. Com inúmeros arquipélagos, a comunicação entre os povos era praticamente impossível. Até que descobrem que, devido à baixa gravidade e à sua densa atmosfera, os humanos poderiam voar pelos mares com a ajuda de asas de metal.

A importância dada ao voadores é tanta, que se equipara aos governantes de cada ilha, os Senhores da Terra. Assim somos apresentados a jovem Maris, uma menina confinada à terra, que é adotada por Russ, um voador. Tudo o que ela mais deseja é voar pelos céus do Santuário dos Ventos, no entanto, a tradição afirma que as asas de Russ só podem ser passadas para seu filho legítimo. E, para os voadores, permitir que qualquer um se junte à sua sociedade é uma ideia que beira a heresia.

Durante anos Russ permaneceu sem herdeiro e Maris se tornou uma voadora com as asas emprestadas. Porém, o voador aposentado casa outra vez e Coll, seu herdeiro, nasce. Inconformada, Maris recorre a tudo que estiver a seu alcance para conquistar as preciosas asas.

O segredo de uma boa parceria está em não sentir a presença individual de cada autor durante a leitura. Em Santuário dos Ventos é fácil perceber o poder da escrita de ambos os autores em uma bela união, mas quase impossível captar seus traços individuais. Isso faz com o que a história seja bastante homogênea, poderosa e sem as falhas, que poderiam surgir, de um mal acordo de roteiro quando se escreve com mais de duas mãos.

O livro te pega pelo ritmo: não é rápido demais, nem lento demais. O roteiro se desenvolve de forma que nos permite entender toda a história de Maris, desde a infância, sem nos entediar com isso. O ponto forte, porém, é o tema central: mérito. As asas são artefatos únicos, construídas a muitos séculos, e são herdadas pelas primeiras famílias. Os filhos são obrigados a usar essas asas, independentemente dos seus desejos de carreira. Do lado oposto, nenhuma pessoa fora desse círculo pode ser dono de alguma dessas asas, mesmo querendo ou sendo mais hábil.

Maris facilmente se tornaria uma mártir em sua história. Ela faz todo o possível para criar oportunidade para que todos aqueles que amam o céu tanto quanto ela, tenham a chance de, ao menos, lutar para ter asas. Assim como aqueles que as herdam e que não as querem, tenham o direito de dizer não. Todavia, conseguir uma vitória, não significa perfeição e Maris precisa ir bem mais adiante. Tudo nesse livro é bem pensado e causa grande identificação com a nossa realidade, porém… Martin gosta de um background em suas histórias.

Os jovens Lisa Tuttle e George Martin

Ele gosta de espaço, de tempo e, principalmente, de páginas para escrever suas histórias. E esse é o único defeito que acho importante ressaltar nesse livro. E em quase qualquer outro que ele escreva que não passe de um volume. Ele sempre cria um background importante e grandioso para suas histórias – neste livro o desastre espacial -,  mas nos livros curtos ele não acha espaço para falar desse background e com isso, por mais que a história contada ali seja incrível, sempre fica uma pontinha faltando, um incômodo no fundo da mente perguntando mais sobre como tudo aquilo começou de verdade.

“Autor do spin-off” deveria ser uma das alcunhas de George Martin, porque seus livros individuais – e ressalto o nome dele, apesar das parcerias, porque ele é o autor em comum nesses livros -, criam backgrounds mirabolantes que nunca são contados e apenas nos deixam curiosos. Ou ele começa a contar mais sobre o passado de seus livros ou seria melhor que começasse a os imaginar menos grandiosos. Se até as milhares de páginas de Crônicas de Gelo e Fogo precisam de spin-offs, imagina os livros mais curtos.

Share This Article
Follow:
Jornalista e potterhead para toda eternidade, tem um amor nada secreto por mangás e picos de felicidade com livros em terceira pessoa. Além de colaboradora no Cinesia Geek, é repórter do Grupo A Tarde e coapresentadora do programa REC A Tarde.
Leave a comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *