Rocketman, logo de cara, trabalha com todo sentimentalismo presente nas canções de seu personagem principal. As primeiras notas de Yellow Brick Road arrepiam, e a silhueta espalhafatosa, colorida e automaticamente reconhecível nos animam para esta jornada a medida que Elton John se aproxima mais da tela e, consequentemente, do espectador.
E é justamente neste sentimentalismo ligado à figura icônica de Elton que o filme brilha. Diferente da biografia de ícones pop mais recente, Bohemian Rhapsody, Rocketman é um musical – as músicas de Elton avançam a história daquele jeito simbólico e poético que poucos musicais têm conseguido nos últimos anos, sendo La La Land o mais recente deles.
Assim, a melhor comparação a ser feita com a biografia de Elton John não é com BoRhap, e sim com Across The Universe, o esquecido musical que usa as músicas dos Beatles. E alguns problemas deste último se repetem em Rocketman; as letras de certas músicas nem sempre tem a ver com o que está acontecendo na história, mas a energia criada em cena, unindo melodia, performances e direção, faz o que as palavras não conseguem.
Algumas cenas são especialmente lindas e inspiradas, coisas que tem o potencial de ficarem marcadas na cultura pop – a performance de Crocodile Rock sendo a principal delas.
O filme é um espetáculo visual também na atmosfera criada – os anos 60 são quentes, acolhedores e curiosos, como foram para Elton, com os anos 70 saturados, coloridos e brilhantes em toda sua glória e exageros. Já os anos são 80 mal iluminados e decadentes, e os anos 90 se apresentam sóbrios e conectados com a realidade.
E a biografia não se afasta dos momentos controversos da vida de Elton. Quando ele é descontrolado, ele é absolutamente maníaco, e quando ele usa drogas e bebe, você vê como ele está disfuncional e o impacto disso na sua vida. E quando ele é gay, ele se entrega – sem selinhos subjetivos seguidos de fade to black reservados aos casais LGBTQ neste tipo de filme.
E o primeiro ato entrega muito bem a base para entendermos a personalidade complexa do Elton John adulto. Com atores infantis muito bons e sequências geniais – de quem foi a ideia de usar I Want Love para nos fazer entender a dinâmica da família de Elton? – é perfeitamente compreensível como o artista era imensamente descontrolado, exibicionista, carismático, tímido e inseguro ao mesmo tempo.
Já quando Taron Egerton assume o papel principal em tempo integral, vemos um Elton humano, problemático, se descobrindo enquanto tenta ignorar suas raízes e problemas pessoais.
Aliás, todo esse filme parece uma forma pública de autorreflexão de Elton sobre sua vida e suas relações com as grandes figuras de sua jornada – incluindo ele mesmo. Uma das últimas cenas do filme, quando ele reflete sobre o papel de todos em sua vida, é extremamente tocante quando a gente percebe que Elton está vivo e escolheu, conscientemente, não simplesmente vilanizar e desumanizar as pessoas da sua trajetória.
Mas apesar dos muitos elogios, o filme não recebe uma avaliação perfeita pelos momentos em que se afasta de show de sentimentalismo simbólico e autêntico. O terceiro ato, em que quase metade da vida de Elton tem que caber, parece estar tendo que cumprir um checklist de pontos importantes da vida de seu personagem principal – mesmo quando cabia um corte.
Há momentos absolutamente inúteis ao arco de Elton John, o personagem, que recebem três minutos de tela para logo acabarem sem nenhum impacto na história, como um relacionamento dele que leva de nada a lugar nenhum e podia facilmente ser cortado.
Outro momento em que o filme sofre com a falta de um editor de pulso firme é no final. O filme se arrasta em seus últimos minutos, onde o final construído chega e vai, sendo seguido por sequências visuais que não impactam a história e enfraquecem a última memória que o espectador tem do filme.
Mas ainda assim, Rocketman é um espetáculo audiovisual emocionante, um casamento perfeito entre um musical bem feito e uma biografia de alguém único.