Rodrigo Aragão é, hoje, uma figura incontornável do cinema de horror brasileiro. Conhecido por mesclar elementos do fantástico com um espírito artesanal e profundamente regional, o diretor capixaba — filho de um ex-mágico — é herdeiro direto do cinema de José Mojica Marins, mas caminha por trilhas próprias. Seus filmes, como A Noite do Chupacabras e A Mata Negra, já revelavam sua inclinação por um terror místico, grotesco e feito à mão. Em Prédio Vazio (2025), Aragão atinge um novo grau de maturidade artística, entregando um filme que é ao mesmo tempo perturbador, comovente e visualmente hipnótico.
A trama se desenrola em meio à pandemia da COVID-19 e acompanha Luna ( Lorena Corrêa), uma jovem assombrada por memórias fragmentadas da infância e por uma relação mal resolvida com a mãe (Rejane Arruda). Quando pressente que algo de estranho está acontecendo com ela durante os dias de Carnaval, Luna parte para Guarapari, no Espírito Santo, onde entra no misterioso Edifício Madalena — um prédio abandonado que parece abrigar muito mais do que apenas escombros. É lá que passado, trauma e horror se entrelaçam numa espiral de delírios visuais e emoções à flor da pele.

O que torna Prédio Vazio especial não é apenas sua trama de assombração, mas a forma como Aragão a encena. Construído como um filme-escola com jovens de oficinas de cinema da Funcultura, o longa adota uma estética propositalmente artificial, com cenários que parecem flutuar entre o real e o onírico — cortinas pintadas à mão, nuvens feitas de enchimento de almofada e janelas que remetem a um teatro expressionista. Inspirado por Suspiria de Dario Argento, Aragão aposta em luzes saturadas, composições desconcertantes e planos holandeses que reforçam o caráter instável dos ambientes e dos personagens.
As atuações são um ponto forte, especialmente das mulheres. Lorena Corrêa entrega uma protagonista sensível e determinada, cujo crescimento emocional é tão palpável quanto o horror ao seu redor. Rejane Arruda e Gilda Nomacce entregam personagens femininas densas, que oscilam entre força e fragilidade sem jamais se renderem ao clichê. Já Caio Macedo, como o namorado sensível de Luna, desconstrói expectativas masculinas e oferece uma presença que contrapõe delicadeza ao horror crescente do filme.

No campo técnico, a trilha sonora atmosférica, os efeitos práticos simples e bem executados, e o uso cuidadoso de recursos visuais como o preto e branco para diferenciar tempos narrativos demonstram um domínio criativo impressionante, sobretudo diante do orçamento limitado. O filme não teme parecer “feito à mão” — pelo contrário, isso vira uma de suas maiores qualidades.
Se há algo que pode incomodar alguns espectadores, é a escolha deliberada de não entregar todas as respostas. O enredo é fragmentado, com linhas temporais sobrepostas, personagens que surgem como enigmas e subtextos que exigem interpretação. Essa ambiguidade, no entanto, faz parte do charme do filme.

Ao final, Prédio Vazio se mostra uma verdadeira joia do cinema de gênero nacional: é artesanal sem ser amador, ousado sem perder a conexão emocional com o público, e acima de tudo, profundamente humano. Aragão usa o terror para falar de amor — o amor feroz, incondicional e por vezes trágico entre mães e filhas. Um filme que, como seu cenário, é construído com mãos apaixonadas e que ecoa muito além da última cena.