Ponto Cego é reflexivo em mostrar as cobranças de distintas sociedades

Danilo de Oliveira
5 Min de Leitura

Muito elogiado no Festival de Sundance, Ponto Cego vêm pra levantar o dialogo em uma das feridas americanas: o racismo contemporâneo.O filme de estreia de Carlos López Estrada, diretor americano com ascendência mexicana, trabalha justamente baseado nessas reflexões sociais. É uma obra sobre identidade, narrativas e sobrevivência.

Na trama, Colin (Daveed Diggs) é um rapaz negro que, após cometer um crime e ser preso, está nos momentos finais de sua liberdade condicional. Enquanto trabalha numa empresa de mudanças, Colin precisa aguentar os últimos dias sem se envolver em problemas que possam levá-lo de volta à prisão. O problema é que seu melhor amigo, Miles (Rafael Casal), um rapaz branco que trabalha com ele, está sempre colocando a dupla em situações delicadas.

Primeiramente o longa traz a comédia como seu condutor, principalmente pelo seu primeiro ato onde se utiliza varias sacadas como alivio cômico(por exemplo, em uma cena divertidíssima com a Tisha Campbell-Martin (a Jay de Eu, A Patroa e as Crianças) em um salão), mas é só um preludio para a tempestade.

Ao testemunhar um crime, a vida de Collin vira de cabeça pra baixo e como ele sofre o dilema de sempre se provar pra uma sociedade que discrimina pela cor da pele. Um dos pontos altos é onde acontece uma discussão pesada entre Collin e Miles, que eles discutem sobre as diferenças sociais entre eles, e seus respectivos privilégios.

A relação entre a dupla principal é a força motriz do longa. Há um claro contraponto entre Colin e Miles. Enquanto o primeiro está sempre tentando evitar qualquer situação perigosa, e demonstra receio até de ir à festas, o segundo é um sujeito que, mesmo que simpático e amigável, exala impulsividade e imprudência. Momentos em que Miles põe Colin em situações de apreensão, portanto, são uma constante que ajuda “Ponto Cego” a desenhar uma análise das diferentes perspectivas para um mesmo caso quando encarado por um rapaz negro e outro branco. Se, para Miles, andar com uma arma é algo comum e descolado, para Colin, o simples fato de estar próximo ao colega armado significa por sua própria liberdade em risco.

Um detalhe interessante em observar é que todas as variações de gênero trazidas no filme são uma forma de desenvolver um estudo sobre o racismo e seus efeitos. Pela comédia, o roteiro consegue satirizar a apropriação cultural do personagem branco que se sente negro; pelo drama, entendemos melhor o passado do protagonista e quais eventos o levaram a ser a pessoa que é; pelo suspense, somos inseridos na pele de Colin para que possamos entender a apreensiva rotina de quem precisa sempre viver atento aos arredores; pela música, entendemos como a arte acaba sendo a única forma que Colin encontra para expurgar seus demônios.Portanto,com esse foco, é tão previsível quanto desolador ver cenas como de um criança levantando os braços e dizendo “não atire”, evidenciando como o negro é doutrinado a agir de forma defensiva e reativa diante do abuso da força policial americana, já que a sociedade e a mídia constroem a vilania negra e o heroísmo branco a todo momento. Convenhamos, não é muito diferente no Brasil.

A montagem tira qualquer excesso não intencional e nos entrega um raro filme sem barriga e bem dinâmico. Os 95 minutos são muito bem utilizados. A dupla Diggs e Casal consegue passar uma emoção a partir de uma fisicalidade incomum. Eles transitam entre um vigor nas brigas, um descompromisso quase adolescente no carro de um amigo e um choro, contido ou não, quando necessário. Todas emoções sinceras.

Ponto Cego é importante, necessário e principalmente reflexivo ao mostrar duas realidades em comum, mas com cobranças da sociedade diferentes.

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