Pequenas Grandes Mentiras surpreende ao ir além do frenemies

Carol Magalhães
6 Min de Leitura

“Qual o livro que você está lendo?” “Ah, é continuação de Pretty Little Liars então?”

Não dá para culpar ninguém por eu ter ouvido isso mil vezes enquanto lia Pequenas Grandes Mentiras, da australiana Liane Moriarty (melhor sobrenome, sim ou claro?). Não é apenas o nome que é similar, mas os dois livros abordam mulheres “privilegiadas” envolvidas em intrigas que vão escalando até a morte de alguém. Ao menos, é a sinopse que o livro apresenta ao leitor. Mas não se deixe enganar: Pequenas Grandes Mentiras é muito mais que isso. É a melhor surpresa do ano.

O livro aborda a vida e a amizade de três mulheres, mães de crianças no jardim de infância. Madeline é uma mulher de meia idade que luta para aceitar que sua filha adolescente está se reaproximando do pai que as abandonou anos antes; Celeste é uma mulher linda e rica,  entediada com sua vida aparentemente perfeita e Jane é uma mãe solteira de 24 anos buscando um lugar para chamar de casa. A amizade aparentemente improvável vai surgir e se fortalecer quando Ziggy, filho de 5 anos de Jane, é acusado de estar praticando bullying e uma verdadeira “caça às bruxas” começa na pequena Escola Pública de Pirriwee.

Tudo isso, porém, é mero pano de fundo. As confusões causadas pela acusação de bullying não vão gerar uma histeria coletiva, como se esperaria. É claro que há desavenças e uma “separação” na comunidade, mas não espere nada similar a filmes como “Noivas em Guerra”. O livro tem como foco principal as, daí o nome, pequenas mentiras na vida de cada uma dessas mulheres, e o suposto bullying é apenas o estalo necessário para que as três sejam obrigadas a enxergá-las. Moriarty tem uma forma muito sutil de revelar os segredos de cada personagem, como se retirasse uma máscara de cada vez e nos desse a chance de entender cada parte delas.

Pequenas Grandes Mentiras é um livro sobre mulheres e sobre suas relações. Mas, ao contrário do que a maioria costuma explorar, não sobre amizades que se rompem, casamentos sem sal e frenemies. É revigorante enxergar amizades femininas serem retratadas de forma mais leve – como um refúgio do cotidiano, uma forma de se divertir, com sinceridade. E sinceridade vemos também no retrato da violência que Madeline, Celeste e Jane sofrem ou sofreram. A autora trata todas as situações com seriedade, mas sem uma dicotomia boba. Na verdade, é o oposto – por vezes, somos levados a questionar sequer se aquilo que lemos foi uma violência. E aí está o momento de reflexão do livro.

O retrato do abuso doméstico de Celeste é o maior exemplo. Seu marido é retratado, a princípio, como o príncipe encantado – e mesmo quando descobrimos as agressões, ele continua a ser explorado do ponto de vista da mulher. Ou seja, ora um bruto, ora um marido perfeito. Não é uma questão de preto no branco. Assim como o abuso de Jane, que também não é simples de entender ou de aceitar. Coisas assim acontecem o tempo todo, praticadas por homens que considerados heróis, que considerados galãs. E é de nossa natureza relativizar esses casos. Moriarty nos coloca na mesma posição que as personagens, passando pelo processo árduo de reconhecer a violência e entender que devemos a combater.

Neste ponto, a única personagem que não tem a mesma carga dramática das outras é Madeline. Mas não acho que isso a faz menos importante, porque ela, além de representar uma história de abandono muito recorrente, representava uma diversão necessária para o livro. Adorei a última conversa que ela teve com o marido, onde percebemos que a dificuldade dela perdoar o ex-marido era uma teimosia que estava consumindo, sem aparentar, seu casamento, seu relacionamento com a filha, suas atitudes. Mas tudo isso foi demonstrado de forma muito sutil e muito bela, sem desmoronar a personagem cômica e leve que foi construída durante o livro inteiro.

Se tudo, Pequenas Grandes Mentiras peca apenas em vender-se de forma errada. Não estamos falando do novo Pretty Little Liars. Estamos falando de como queríamos que seriados como este, cujo público alvo são meninas jovens, abordasse mulheres, seus relacionamentos, as dificuldades que vivem, os segredos que guardam. É um livro cômico. É um livro com um tema importantíssimo. É um livro viciante. É um livro feminista. É tudo que eu desejaria que nossas meninas pudessem ler nos livros que gostam, para que talvez as histórias de Pequenas Grandes Mentiras pudessem ser um pouco menos realistas.

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Caroline Magalhães é estudante de jornalismo, blogueira e leitora ávida. Vira fã das coisas em segundos e tem milhões de crushs que moram em livros, séries ou filmes. No Cinesia, escreve sobre histórias do mundo nerd.
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