A Marvel Studios há uma década vem estabelecendo seu universo cinematográfico de forma solida e consistente, mudando pra sempre a forma de fazer franquias de sucesso. Se muitos reclamam que sua formula está desgastada em um cada vez mais saturado gênero que é do de super heróis, eis que Pantera Negra chega como um frescor de novidade, assim como foram Deadpool e Logan anteriormente,mas também representativo e importante para a cultura pop e o cinema assim como foi Mulher-Maravilha. E vou mais além, é uma adaptação de quadrinho que nos faz pensar e refletir sobre diversos temas atuais como poucos do gênero oferecem.
Continuando imediatamente a história contada em “Capitão América: Guerra Civil”, com a morte do rei T’Chaka (John Kani), o príncipe de Wakanda, T’Challa (Chadwick Boseman), assume o trono que fora de seu pai, mas vislumbra com isso os problemas e idiossincrasias do poder. Seu reino, apesar de extremamente tecnológico e avançado – principalmente se comparado aos países africanos que o avizinham -, é composto de diversas tribos milenares, com tradições e modo de pensar antigos e independentes. Ao mesmo tempo que encara os violentos costumes da coroação, o novo Pantera nutre sentimentos de vingança contra aquele que é um dos maiores terroristas da região, Ulysses Klaw (Andy Serkis) que por sua vez continua cometendo seus crimes impunemente. Junta-se a isso um amor perdido por uma causa maior e um novo algoz, alguém que pode desestabilizar toda a hierarquia de poder atual.
O roteiro do também diretor, Ryan Coogler (Creed: Nascido para Lutar) e do estreante Joe Robert Cole é primoroso em nos introduzir na formula Marvel, os ideais e convicções de um povo, e por usar a história fantástica de um super-herói para deixar uma mensagem poderosa de que o mundo precisa evoluir urgentemente. O texto da dupla é a todo momento recheado de alfinetadas (BRILHANTES) para diversos setores, países e para o ser humano que ainda é envolto ao racismo, a misoginia, o preconceito e diversos outros males, sem contar ainda uma direta ao atual presidente dos Estados Unidos.
Orgulho, respeito, tradições, cultura, beleza e família são conceitos explorados da maneira intensa. Apesar de formulaico – até por se tratar de um filme de herói, que obrigatoriamente precisa de ação – o roteiro também retrata um drama familiar bastante honesto e crível. É fácil se apegar a personagens tão carismáticos e definidos(ponto para o elenco incrível reunido). Até mesmo o grande vilão, em sua maioria subdesenvolvido neste tipo de obra, aqui possui motivações reais, algo que nos aproxima de sua figura, já que o Killmonger do Michael B.Jordan defende é plenamente justificável,já seus métodos não são aceitáveis.
Não é somente no realce da cultura negra que se justifica a força do empoderamento no longa. Todas as mulheres de Wakanda são fortes, destemidas e autônomas. Seja na indescritível beleza visual e conceitual das figuras das “Dora Milaje”, a guarda absolutamente feminina do rei e, consequentemente, do herói Pantera Negra, seja na inteligência e carisma de Shury (Letitia Wright)ou na independência extrema de Nakia (Lupita Nyong’o), as personagens femininas mostram-se complexas e cheias de si, deixando definitivamente para trás alguns dos velhos e empoeirados conceitos machistas.
Assim como em Thor: Ragnarok onde Taika Waititi colocou sua identidade mesmo em uma franquia já estabelecida, Ryan Coogler consegue a todo momento impor a sua “marca”, principalmente em suas decisões criativas, como na escolha da diretora de fotografia indicada ao Oscar, Rachel Morrison (“Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi”), ou no convite ao rapper Kendrick Lamar para encabeçar algumas músicas da trilha sonora (assinada por Ludwig Göransson de Fruitvale Station, Creed e Corra!), repleta de uma musicalidade de ótima qualidade, mesclando o hip-hop com os tribais nativos da África e sendo uma das mais redondas e realmente temáticas do UCM.
O ponto falho vem do departamento de efeito visuais que alguns momentos,principalmente no clímax final nos dão um CGi muito carregado e bem visível, mostrando as imperfeições digitais.
Pra encerrar,Pantera Negra é uma obra poderosa, um marco cultural , cheia de apontamentos importantes para que o ser humano reflita e tente evoluir. É um filme com coração, coragem e consistência que vai muito além do gênero no qual ele se enquadra e levanta inúmeras questões sobre o preconceito e discriminação racial através de uma abordagem diferente e única. Parabéns a Marvel por esse momento marcante na historia.
*Lembrem-se de não sair antes dos créditos, pois há duas cenas, uma durante e outra apos.
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