Lançado pela Angel Studios — produtora conhecida por investir em obras com valores cristãos e temáticas morais —, O Refúgio chega aos cinemas com uma proposta instigante: um thriller de sobrevivência ambientado no colapso de uma sociedade moderna após uma catástrofe nuclear. Com uma estética que remete aos clássicos filmes de desastre das décadas de 1980 e 1990, a produção aposta na tensão e no drama familiar como fio condutor de sua narrativa. Contudo, apesar da premissa promissora, o longa rapidamente se desvia de seu potencial para se tornar um veículo de ideias polarizadoras e narrativa diluída.
A trama gira em torno de Jeff Eriksson, um ex-militar americano que, após uma explosão nuclear em Los Angeles, foge com sua família rumo a uma comunidade de “preppers” nas Montanhas Rochosas — um grupo de pessoas que vive em constante preparação para o fim do mundo. Enquanto o caos social se espalha, o protagonista tenta proteger sua família em meio a um ambiente cada vez mais paranoico, violento e moralmente ambíguo. O telefone sem fio entre segurança, fé e sobrevivência transforma o drama apocalíptico em uma fábula sobre os limites da autossuficiência e os dilemas do espírito humano diante do colapso.

O Refúgio começa bem. A sequência inicial que retrata o colapso urbano é intensa e bem ritmada, utilizando com eficiência imagens de blecautes, tumultos e presença militar para criar um senso imediato de urgência. A direção de arte, ainda que limitada pelo orçamento, é funcional e consegue transmitir o caos de maneira verossímil. Nesse ponto, o filme equilibra com competência tensão atmosférica e desenvolvimento do universo narrativo, despertando expectativas reais quanto ao desenrolar da história.
Infelizmente, à medida que o filme se desloca para a comunidade fortificada dos preppers, seu foco se dilui. O que poderia ser um retrato sombrio das tensões internas em um microcosmo de sobrevivência se transforma em uma caricatura ideológica: personagens exageradamente armados, soluções convenientes para dilemas logísticos e uma mansão blindada que desafia a credibilidade. A partir daí, a produção perde a força dramática e se inclina perigosamente para um panfleto político e moral.

As atuações, embora esforçadas, esbarram em diálogos expositivos e arcos previsíveis. Jeff Eriksson, interpretado com certo carisma, poderia ser o pilar emocional do filme, mas é impedido de evoluir por um roteiro que prioriza o discurso sobre a profundidade. Os coadjuvantes, por sua vez, funcionam mais como arquétipos — o paranoico, o fanático, o rebelde — do que como pessoas reais com conflitos e camadas.
Tecnicamente, o filme é apenas correto. A cinematografia se apoia em planos estáticos e drones sem grande expressividade, enquanto a trilha sonora genérica tenta imprimir tensão onde o roteiro falha. A montagem, sobretudo no segundo ato, sofre com falta de ritmo, tornando o desenvolvimento arrastado e pouco envolvente.

Um dos maiores tropeços do longa é a maneira como sua estrutura é pensada. Em vez de apresentar uma história fechada, O Refúgio claramente se posiciona como o início de uma possível franquia, deixando subtramas em aberto e substituindo o clímax por uma preparação para “o que vem depois”. Isso, aliado à inserção abrupta de um subtexto religioso no terço final — que surge sem construção narrativa suficiente —, reforça a sensação de que o filme é mais um produto com agenda do que uma experiência cinematográfica coesa.
O Refúgio é um caso clássico de potencial desperdiçado. Com uma premissa que poderia render um thriller psicológico tenso e provocativo, o filme opta por caminhos fáceis e ideológicos, enfraquecendo sua própria narrativa. Ainda que tenha momentos visualmente interessantes e um começo promissor, sua falta de profundidade emocional, construção de personagens rasa e tentativa de funcionar como um piloto de franquia sabotam a experiência.
Para quem busca entretenimento puro com uma pitada de tensão apocalíptica, pode ser uma sessão válida. Mas para quem espera uma reflexão mais complexa sobre sobrevivência, humanidade e fé, O Refúgio deixa muito a desejar.