O Esquema Fenício | Bilionários, freiras e conspirações internacionais a lá Wes Anderson

Danilo de Oliveira
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3 Bom
Critica - Esquema Fenício

Poucos diretores contemporâneos conseguem provocar reações tão imediatas quanto Wes Anderson. Basta um enquadramento simétrico, uma paleta pastel e uma trilha sonora retrô para que seu nome seja evocado com entusiasmo ou exaustão. Seu cinema, feito de miniaturas perfeitas e sentimentos contidos, vive entre o rigor visual e a poesia melancólica. Há quem diga que seus filmes são apenas “estilo sobre substância”. Mas talvez Anderson nunca tenha levado essa acusação tão a sério — e ironicamente — quanto em O Esquema Fenício (2025), sua produção mais visualmente extravagante… e narrativamente dispersa.

Logo nos primeiros cinco minutos de O Esquema Fenício, um corpo é dilacerado por uma bomba em pleno céu. O alvo do atentado é Zsa-Zsa Korda (Benicio del Toro), um excêntrico magnata conhecido por seus contratos bilionários com margem de lucro sempre inferior a 5%. Sobrevivente de seis acidentes aéreos, Korda decide, após uma experiência de quase morte envolvendo um tribunal celestial (com juízes interpretados por Bill Murray, Willem Dafoe e F. Murray Abraham), nomear um herdeiro entre seus dez filhos.

Universal Pictures/Reprodução

A escolhida é Liesl (Mia Threapleton), a única filha mulher, uma noviça que despreza os métodos do pai — que vão do imoral ao criminoso. Juntos, eles embarcam em uma jornada pelo mundo para executar um plano de “redenção econômica global”, enfrentando sabotagens políticas e um mercado liderado pelo agente Excalibur (Rupert Friend). Ao longo do caminho, eles contam com a ajuda do desastrado tutor Bjorn (Michael Cera), e cruzam com uma galeria de personagens bizarros, incluindo espiões, líderes tribais, empresários vorazes e um príncipe com segundas intenções.

Wes Anderson nunca foi tão Wes Anderson quanto aqui. O Esquema Fenício é um carnaval de enquadramentos milimétricos, explosões lúdicas, cenários teatrais e transições cinematográficas criativas. O diretor se entrega de corpo e alma a uma espécie de filme de espionagem colorido, onde espiões usam suspensórios, tiroteios são cronometrados com precisão cômica, e guerrilhas tropicais parecem saídas de um diorama animado.

Universal Pictures/Reprodução

O elenco, repleto de rostos familiares e adorados da filmografia andersoniana, funciona como um relógio suíço: Benicio del Toro está impecável no papel do bilionário niilista, alternando frieza e carisma; Mia Threapleton é uma revelação, trazendo um frescor ingênuo e autêntico para Liesl; e Michael Cera brilha com um timing cômico surpreendentemente sutil. A química entre o trio principal — pai, filha e “assistente acidental” — é o motor emocional que impulsiona o filme, mesmo quando o roteiro se perde em suas próprias engrenagens.

O texto, escrito por Anderson em parceria com Roman Coppola, é um dos mais engraçados da carreira do diretor. Há diálogos afiados, críticas mordazes ao capitalismo tardio, e um humor que vai do nonsense ao ácido com fluidez. Tudo isso embalado pela trilha sonora e pelo design de produção que, como sempre, são impecáveis.

Apesar do charme visual e do elenco afiado, O Esquema Fenício sofre com excesso de ideias. Há tantos personagens, subtramas e piadas visuais que a história principal — a redenção de um homem por meio do vínculo com a filha — se dilui no caos estilizado.

Universal Pictures/Reprodução

A crítica social, embora presente, é tratada de forma superficial. Os temas abordados — desigualdade, corrupção, exploração econômica — aparecem mais como cenários excêntricos do que como motores dramáticos. O filme flerta com profundidade, mas prefere o espetáculo. O resultado é um longa que deslumbra os olhos, mas raramente toca o coração, ao contrário de obras anteriores do diretor, como Moonrise Kingdom ou O Grande Hotel Budapeste.

Além disso, o ritmo vertiginoso, que funciona bem no primeiro ato, torna-se cansativo à medida que o filme avança. Há pouco tempo para respirar, e quase nenhum para que os personagens realmente evoluam. Mesmo os momentos supostamente emotivos parecem encenados em vez de vividos.

Pra finalizar, O Esquema Fenício é, ao mesmo tempo, um triunfo estético e um tropeço narrativo. Wes Anderson, ao experimentar  o gênero de espionagem e ação global, entrega um filme corajoso, visualmente inventivo e repleto de momentos hilários. Mas também oferece uma obra que, por trás do brilho encantador de sua superfície, luta para encontrar o equilíbrio entre forma e conteúdo.

Talvez, como Zsa-Zsa Korda, Anderson esteja tentando reinventar seu legado com um último grande plano. E, como seu protagonista, talvez descubra que o mais difícil não é construir o esquema perfeito — mas preencher o vazio que ele deixa quando termina.

Critica - Esquema Fenício
Bom 3
Nota Cinesia 3 de 5
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