O Auto da Compadecida se tornou um clássico absoluto do nosso cinema nacional. Lançado há quase 25 anos, o longa que inicialmente era uma minissérie da Globo baseado na icônica obra de Ariano Suassuna marcou seu nome na nossa cultura pop com as confusões de Chicó e João Grilo.
A sequência anunciada há pouco mais de um ano, trouxe um misto de empolgação e medo, visto o que poderia justificar uma nova produção desse universo.
O Auto da Compadecida 2, ao menos se mostrar uma divertida e nostálgica volta a esse universo, trazendo, novas trapalhadas dos personagens de Selton Mello e Matheus Nachtergaele ainda que repita tudo o que fez seu original um sucesso.
A trama nos leva de volta a Taperoá e apresenta o adorado Chicó (Selton Mello) trabalhando como uma espécie de contador de histórias para os turistas que visitam a região. Para conseguir sobreviver em meio à devastadora seca do sertão, ele narra as peripécias de seu melhor amigo, João Grilo (Matheus Nachtergaele), que foi assassinado por um cangaceiro, julgado em um tribunal divino com a presença do Diabo, de Jesus e de Nossa Senhora de Aparecida, e ressuscitado em um milagre inesperado. Porém, após voltar dos mortos, ele desapareceu mundo afora, deixando para trás apenas resquícios de uma lenda que atrai pessoas do Brasil inteiro – e que permite que Chicó se sagre um poeta criativo e habilidoso para faturar alguns trocados.
As coisas viram de cabeça para baixo quando João Grilo, após aventurar-se por aí, retorna à cidade e descobre que é tratado como um ídolo – mesmo não acreditando que foi ressuscitado por Nossa Senhora e que teve apenas sorte de o tiro ter passado de raspão. Entretanto, conhecendo as artimanhas dessa icônica dupla, ambos unem forças para tirar proveito dessa fama recém-adquirida e se envolver com uma fervorosa eleição para prefeito que pode ditar os rumos de Taperoá nos anos seguintes.
O roteiro apesar de explorar a passagem de tempo e expandir o universo para o público já inserido na obra, apresenta a mesma estrutura do seu anterior para trabalhar sua sequência. Um plano de João usando sua espertice, Chicó e sua queda por mulher, uma nova passagem religiosa, tudo é trazido quase como uma checklist para o projeto.
Se o roteiro é previsível em sua estrutura, os novos e velhos personagens são a válvula de escape ( ainda que nem todos tem seu tempo preciso para explorar) para entreter a história e torná-la uma divertida e gostosa comédia com a pegada nordestina de ser.
Na sequência de 2024, os temas se atualizam e João Grilo e Chicó se veem em meio à uma disputa eleitoral que discute poder político, de comunicação, manipulação e, a seu modo, fake news.
Enquanto Virgínia Cavendish e Enrique Díaz retornam como Rosinha e o cangaceiro Joaquim Brejeiro, Humberto Martins, Fabíula Nascimento, Eduardo Sterblitch e Luis Miranda são as novas figuras principais em Taperoá – além, é claro, da participação de Taís Araujo como a Compadecida. Um elenco, sem dúvidas, cheio de talentos, mas com um encaixe que nem sempre dá certo porque falta robustez para que se encaixem na trama e tenham arcos mais completos.
Destaco aqui Luis Miranda interpretando um vigarista amigo de João Grilo, que cativa mesmo com pouco tempo. Se houver um corte em formato de minissérie para o Globoplay, seria ótimo poder ver mais dele em cena.
Além dos novos rostos, as escolhas estéticas também marcam uma grande diferença entre o primeiro e o segundo filmes. Enquanto no filme de 2000 a fronteira entre o realismo e a fantasia era suave, a sequência pisa fundo no lúdico, em uma fábula de cores fortes e cenários cartunescos, com bastante cenários teatrais ou com uso de tela verde.
A mudança causa estranhamento a princípio, mas vejo também como um afastamento da obra a impressão de “imitação” porque dá a ela uma identidade própria, contemporânea e com pontos bem explorados por exemplo com os contos de Chicó que ficam bem mais fantasioso e fazendo mais sentido a frase: ” não sei, só sei que foi assim”
Selton Mello faz um trabalho primoroso como Chicó, mantendo-se fiel às características exploradas no filme original à medida que promove um amadurecimento mandatório ao protagonista. Mas é Nachtergaele quem rouba completamente os holofotes com uma interpretação irretocável: se o astro já havia imortalizado João Grilo tantos anos atrás com um respeito inegável pelo personagem, aqui ele se permite imortalizar o legado deixado pela persona em uma condução aprazível e catártica. É como uma amizade de anos que a gente não ver há um tempo e quando se encontra nada mudar e mantêm incrível como sempre.
Pra finalizar, O Auto da Compadecida 2 soa mais como uma celebração a obra de Suassuna que propriamente uma sequência. É aquela obra que vai divertir e trazer nostalgia para os fãs, sendo um reencontro muito bem-vindo com personagens que se tornaram parte fundamental do folclore brasileiro no século 21.