Nós | Jordan Peele lança outro clássico

Catarina Lopes
5 Min de Leitura

Durante a primeira década dos anos 2000, o terror estava saturado. Gore e found footage recheavam os títulos, formando franquias imensas. Mas a última década – talvez por ser um período de maior instabilidade política e econômica – viu o renascimento do gênero, com franquias de alguma originalidade, como Invocação do Mal, e títulos que fugiam da fórmula do terror, como A Bruxa. Foi nesse cenário que Jordan Peele surgiu como o criador de Corra! (2017), e com apenas um filme, se tornou um nome conhecido.

Agora, após muita expectativa, Peele lançou Nós. O filme é uma experiência tensa ao longo de suas duas horas. Antes mesmo do título aparecer, o diretor entrega conceitos de forma interessante, sem diálogos expositivos cansativos, e nos brinda com uma primeira cena já brilhante, o cerne da história.

Se em Corra! já vimos a maturidade de Peele na direção, em Nós vemos ele ainda mais confortável em seu papel. Ele sabe exatamente o que quer dizer e como usar a linguagem do cinema para isso, a fotografia, direção de atores, roteiro e montagem trabalhando juntos como uma máquina bem lubrificada. Ele consegue unir boas explicações com confiança na inteligência do público, e ainda espalha detalhes ao longo da história para que o espectador vá pesquisar um pouco mais depois do filme, enriquecendo a experiência.

Claudette Barius – © Universal Pictures

Lupita Nyong’o (12 Anos de Escravidão) também está brilhante. Sua personagem, Adelaide, tem dificuldade de se conectar com pessoas, o que poderia criar uma personagem inexpressiva, mas Lupita passa longe disso. Cada expressão facial é pensada, cada olhar, cada inflexão na sua voz. Nyong’o também entrega cenas geniais em que ela atua contra ela mesma, na versão clone de Adelaide, chamada de Red. Red é desconcertante – com uma voz sussurrada e movimentos inquietantes, é perturbador ver como ela detém o poder em toda cena que se encontra, seu rancor por Adelaide fazendo dela a personagem mais determinada do filme.

Winston Duke (Pantera Negra) oferece poucos momentos de alívio na tensão, calculados com precisão pelo roteiro. Ele entrega suas piadas como seu jeito de lidar com a situação surreal que está vivendo, e não como mera imaturidade. Sua química com os atores que fazem os filhos, especialmente a novata Shahadi Wright Joseph, nos fazem acreditar que aquela é sim uma família, todas as suas dinâmicas estabelecidas.

Claudette Barius – © Universal Pictures

Nós difere de Corra! em seus temas – ao invés de fazer uma crítica ao racismo, ele foca em toda passividade hipócrita da sociedade americana. A família de Elizabeth Moss (The Handmaid’s Tale) serve como um contraponto a família principal, pois possui todos os bens da família suburbana idealizada, mas vive dopada. E Moss, apesar do pouco tempo de tela, tem alguns dos momentos mais perturbadores do filme.

A história consegue manter a tensão constante ao transitar por vários tipos de terror ao longo de seus atos. Terror sobrenatural, invasão domiciliar, apocalipse, suspense, e até um pouco de sci-fi emprestam suas convenções do gênero para contar a história dos Wilson tentando sobreviver.

O único momento em que o filme perde um pouco da força é quando precisa dar alguma explicação para os doppelgängers, pois tira um pouco do simbolismo do filme. Apesar disso, o simbolismo ainda está lá, assim como o resto do filme, ainda excepcional.

Nós é um filme tão marcante quanto Corra!, e se junta à Hereditário, A Bruxa e Babadook no hall de grandes novos clássicos do terror.

 

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Jornalista em formação e fã de cultura pop por natureza
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