Nós | 7 coisas que você talvez não percebeu no filme

Catarina Lopes
13 Min de Leitura

Nós, o novo filme do Jordan Peele, chegou aos cinemas na última quinta (21), e além de trazer uma história bem contada, que podemos entender sem muita complicação, o filme também joga alguns detalhes para que o espectador fique pensando depois.

Esse tipo de análise muito profunda corre o risco de entrar em algo parecido com o meme “Birdbox é uma metáfora para depressão”, mas é interessante lembrar que Jordan Peele já demonstrou ser um roteirista focado em detalhes, e que a internet passou meses analisando Corra!, sempre descobrindo novas coisas escondidas.

Ficou curioso? Fizemos uma lista de sete detalhes espalhados por Nós e o que eles significam.

ATENÇÃO: Essa lista tem spoilers de Nós.

Jeremias 11:11

“Portanto assim diz o Senhor: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei.”

Essa mensagem aparece duas vezes no filme, e as duas são pouco antes de Adelaide (Lupita Nyong’o) entrar em contato com sua Tether, Red. A mensagem é clara: ninguém pode ajudá-los. Estes encontros e suas consequências vão acontecer sem ajuda externa, nem de Deus, nem de qualquer força organizada que poderia resolver a situação – a polícia não consegue ir socorrer os Wilson, e depois, o telefone de emergência não é nem atendido.

Mulher-aranha

Divulgação
Esse é o conto que está sendo narrado quando a pequena Adelaide entra no brinquedo Shaman Vision Quest e encontra sua Tether. Uma aranha encara Adelaide quando ela aceita ir com a família para a praia, contra sua intuição, e o mesmo efeito sonoro pode ser ouvido quando Red a encara e faz um movimento aracnídeo com a mão.

O brinquedo, que faz referência aos nativos americanos, nos leva ao conto da Mulher-Aranha. Ela é definida como aquela que cria de uma fonte central, que irá puxar toda sua criação de volta para esta fonte. Sua teia representa a matriz de nossa realidade, e liga tudo e todos. Essa inclusive pode ser a explicação de como os Tethers funcionam, como eles continuam ligados aos seus humanos originais, mesmo após o governo abandoná-los no subterrâneo. Essa seria a razão de Red ser obrigada a dançar no subterrâneo, e dela ter que se casar com Abraham, o Tether de Gabe (Winston Duke), quando Addy o faz, mesmo sem sentir nada por ele.


Também é interessante notar que o Shaman Vision Quest, que fazia referência a histórias dos nativos americanos, tem a imagem do Shaman substituída pela imagem de Merlin, um bruxo europeu. Peele pode estar fazendo referência ao fato de que muitos americanos preferem apagar sua origem indígena, dando espaço apenas a seus antepassados europeus.

Coelhos e coruja


O coelho aparece junto com o título do filme – um coelho inteiramente branco, engaiolado. É um animal associado a clonagem, já que há evidências de coelhos clonados em 2003, na França. Pelos coelhos estarem presentes no túnel subterrâneo onde os Tethers estavam, é de se pensar que eles foram as primeiras cobaias do experimento de clonagem. Mas Red também fala que eles eram a única comida que ela tinha, o que depois é visto em cena. É possível que quando os Tethers foram abandonados, os coelhos eram a única coisa que poderia servir de alimento para os clones. Por sua rápida reprodução, esse sistema é viável, e talvez seja a explicação de como os Tethers sobreviveram.

Adelaide também tem um coelho branco de pelúcia, que ela olha com carinho, o qual Red corta a cabeça, rancorosa. Isso pode simbolizar como ser obrigada a comer, ainda vivo, um animal que sua cópia via com carinho, como algo fofo, endureceu Red.

E lembrando que o funcionamento dos Tethers têm a ver com uma lenda dos nativos americanos, o coelho é visto como um animal trapaceiro para eles, assim como os Tethers, que se organizaram para matar seus humanos.

O acesso ao túnel onde os Tethers estavam também se dá por um buraco na parede bem onde está desenhado um coelho branco, o que nos remete a Alice no País das Maravilhas. A simbologia do buraco de coelho em Alice é a de uma jornada de conhecimento, autodescoberta, o que foi o que Adelaide teve quando seguiu por este buraco, descobrindo que ela era na verdade a Tether.

A coruja, que funciona como um jumpscare do Shaman Vision Quest, assusta a jovem Adelaide. Para os nativos americanos, a ave de rapina noturna simboliza o mistério e a morte, e seu som característico é um mau presságio.

Subterrâneo


É a primeira coisa a ser introduzida no filme, o que mostra sua importância. Normalmente, simboliza o que está no subconsciente, o que está escondido, que ainda não foi trazido à luz, ao conhecimento.

Quando os Wilson perguntam aos Tethers o que eles são, eles respondem que são americanos. Ao juntar essa declaração com a ligação dos Tethers com o subterrâneo, é possível perceber que eles são uma representação dos americanos que a parte liberal (como os Wilson) não reconhece.

Os Tethers sabem disso, e por serem tão intimamente ligados com os humanos “originais”, sabem sua forma de pensar, suas fraquezas, e as usam contra eles. Red usa a dança de Adelaide contra ela. Umbrae (Shahadi Wright Joseph), a Tether da filha, usa a corrida, que Zora tanto tenta evitar, contra ela. Pluto (Evan Alex), o Tether do filho, consegue dominar o fogo, sendo que Jason não consegue nem fazer uma faísca.


Outro detalhe que demonstra ainda mais a ligação entre o modo de agir dos Tethers e dos humanos é quando Gabe fala “Nós, Wilson, fazemos as coisas com calma”, e Red repete que eles vão matar seus humanos com calma, que é como eles gostam de fazer. Esse não é o padrão de comportamento dos outros Tethers que assistimos agir – a família amiga dos Wilson morre em minutos, enquanto os Tethers dos Wilson mantém sua palavra e fazem vários jogos psicológicos.

A outra família


Eles representam um lado da família americana liberal que os Wilson conhecem bem, e em parte até tentam se aproximar. Essa família, os Tyler, tem mania de julgar os outros, como as gêmeas julgam Jason na praia, ou como Josh (Tim Heidecker) julga o barco de Gabe. Estão sempre exibindo seus bens, tanto no caso do barco como na sua casa ultra tecnológica – iluminada, toda de vidro, como uma vitrine.

Outro ponto que eles diferem dos Wilson é que eles estão sempre dopados. Na praia, os pais não param de beber, e nem se preocupam em olhar as crianças. Na casa, quando os Tethers cortam a luz, Kitty (Elizabeth Moss) pede para Josh checar o que tem do lado de fora, mas ele, completamente bêbado, mal consegue sair da cadeira.

Eles também são extremamente desunidos. Mesmo quando tudo está sob controle, Kitty faz piadas passivo-agressivas sobre odiar Josh. Quando eles desconfiam que há algo de errado, ao invés de ficarem próximos e se protegerem, eles incentivam que as filhas se separem deles – o que as leva a sua morte.

Essa desunião é ainda mais evidente quando a Tether de Kitty vê o Tether de Josh ser morto. Primeiro ela grita, mas logo o grito falso de horror é substituído por uma risada de prazer. Tanto o grito quando a risada são mudas, mostrando que o desprezo pelo marido é algo que nem a Tether de Kitty deixa transparecer completamente.

Reflexos


No cinema, reflexos normalmente são utilizados para mostrar visualmente que o personagem está refletindo sobre si, chegando a alguma revelação. A cena em que a Tether de Kitty olha o de Josh morrer é filmada assim, o reflexo de Kitty no vidro sobreposto a cena de Josh sendo assassinado, revelando seu desprezo por ele.
A cena em que Adelaide desabafa com Gabe sobre seu trauma ao encontrar sua cópia quando criança também é filmada com o foco no reflexo de Adelaide.

O reflexo também é presente quando Red pressiona o rosto de Adelaide na mesa, contando sobre como os Tethers irão matar sua família, e o rosto é pressionado com tanta força que parte a superfície reflexiva, partindo a imagem de Adelaide – normalmente, isso simboliza uma quebra na personalidade do personagem, um novo trauma se formando.


Os reflexos também causam um desconforto no espectador, que não consegue entender direito a localização do personagem. Isso é especialmente útil no primeiro encontro de Adelaide e Red, em que, no meio de uma sala cheia de reflexos de Addy, vemos um que não se comporta como os outros – Red.

Bonecos de papel


Além de representarem união e igualdade, seu tom vermelho é a cor da ação, como na propaganda que inspira Red, mas também da violência. Addy começa com uma roupa branca, mas à medida que ela começa a matar, sua roupa se torna vermelha, nos dando uma dica de que ela é mais parecida com os Tethers do que imagina.


O vermelho também é a cor principal dos Estados Confederados da América, o antigo nome do sul dos Estados Unidos, classicamente racista e conservador. Existe uma teoria na internet que o filme tem a ver com as eleições de 2016, em que a parte conservadora dos EUA, desassociada dos grandes centros urbanos globais (Nova York e Califórnia) e sua moral liberal, pois sempre foi ignorada por eles, se organizou e tomou o poder, dividindo o país no meio, assim como os Tethers cortaram o país no meio com sua corrente humana.


Eles usaram de uma ideia classicamente associada aos menos conservadores, como o combate a fome – no caso do filme – e a democracia – como seria na vida real, de acordo com a teoria – contra os próprios.

É interessante também ver como o símbolo de união – a corrente humana – além de separar o país, também carrega tesouras em suas mãos dadas, símbolos de separação no meio da união. Os corpos de azul, cor associada aos democratas americanos, inertes no chão, também colaboram com essa teoria.

Quando é revelado que Adelaide é uma deles, vemos que é possível que o outro lado possa mudar, entrar para o nosso lado, assim como Red virou uma Tether, mesmo sendo humana.

E você, o que mais percebeu que não está nessa lista?

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Jornalista em formação e fã de cultura pop por natureza
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