É muito comum que histórias de pessoas LGBTQIA+ ficcionais sejam contadas através de roteiros que marginalizam os personagens, foquem na sua autodescoberta ou em sua jornada de aceitação. E tantas outras que terminam em morte. Essas histórias não devem ser desmerecidas – muitas são excelentes -, no entanto surge uma questão: porque não contar sobre o depois? A vida normal, como ela é, que todas essas pessoas têm.
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É essa parte da realidade que a nova série da Amazon Prime Video, Manhãs de Setembro, busca mostrar através de Cassandra (Liniker), mulher trans que finalmente tem o próprio lar, um namorado que a ama, um trabalho como motogirl que cansa, mas paga as contas e um segundo trabalha que a realiza, onde ela pode ser uma artista cover de sua ídolo Vanusa… Tudo estava indo bem, até que Leide (Karine Teles) – um antigo caso de uma noite bêbada -, reaparece com a notícia de que Cassandra tem um filho de 10 anos.
A presença de Leide, e do recém descoberto filho, Gersinho (Gustavo Coelho) causam impacto na vida de nossa protagonista, que abandonada pela mãe, teve que si virar sozinha para alcançar a tão sonhada independência e encontra na cantora Vanusa o modelo ideal de mulher – é Vanusa a voz na cabeça de Cassandra que ouvimos durante a série. E enquanto Cassandra entra em um embate interno entre amar e odiar Gersinho, Leide luta para sobreviver com um filho, nenhuma casa, sem emprego fixo e dormindo no carro.
Um dos pontos altos são os diálogos e interações de Cassandra e Leide, e a naturalidade com a qual as atrizes interpretaram seus papeis. Karine Teles (Bacurau, Hebe) já é um fenômeno conhecido, mas Liniker rouba a cena e surpreende pelo alto nível de sua atuação. E no meio das duas a Gustavo Coelho, que no papel de Gersinho entrega um show de interpretação, cativando quem assiste até quando não tem falas.
A série como um todo fala muito sobre redes de afeto e seus diferentes círculos. Mesmo sem nenhuma família de sangue – até a chegada de Gersinho -, ela possui uma firme rede apoio nas amizades que cultivou ao longo do tempo, que a ajuda a passar pelos perrengues do trabalho ingrato de motogirl, os problemas com o namorado e a atual situação com Leide e Gersinho.
É forte também a presença de Leide e a situação difícil que ela está passando. É inegável o amor que sente pelo filho e o enorme esforço que ela tem feito para que os dois consigam sobreviver com o mínimo de dignidade. A personagem mostra a realidade das pessoas pobres, que precisam fazer de um tudo para sustentar a família. E no caso de Leide, recorrer ao seu último recurso: levar o filho a conhecer o pai, Clóvis, que agora é Cassandra.
(São simples e lindos o trechos que Gersinho mostra o quanto está tudo bem para ele o pai ser a Cassandra).
Outro ponto da série a se dar atenção é esse embate de Cassandra em aceitar Gersinho de repente em sua vida. Ela, que tem uma vida já quase totalmente resolvida, de repente se ver como pai de uma criança de 10 anos que ela não sabia que existia, mas que parece estar disposta a aceitar ela como ela é, desejando apenas sua presença – como protetor, como pai, como Cassandra -, em sua vida.
E a entrega de Gersinho aos poucos vai derretendo o coração da protagonista, que ainda assim hesita em deixar sua vida quase ideal de lado, para deixar que Gersinho seja uma presença constante e mude sua rotina. E tais situações entregam mais algumas cenas preciosas, com Gersinho completamente admirado com Cassandra e fazendo dela – como é o natural de toda criança -, uma inspiração e modelo a seguir e aprender.
É lindo de ver, realmente é.
Manhãs de Setembro estreia dia 25 de junho, e os 5 episódios da primeira temporada se tornam curtos e rápidos demais por causa da facilidade com a qual você se afeiçoa aos personagens e quer saber mais sobre que decisões eles vão tomar que irão trazer uma reviravolta na história. Vale de sobra uma maratona e o tempo usado assistindo. Já estamos na expectativa para a chegada da próxima temporada.
Algumas curiosidades sobre a série:
- A formação inicial de Liniker é de atriz e não de cantora, ela afirma que apenas aconteceu dela seguir para a carreira de cantora.
- Não apenas o elenco, mais grande parte da equipe por trás do filme – nos mais diversos cargos -, é composto de pessoas LGBTQIA+.
- A cantora Vanusa, musa inspiradora e voz da consciência de Cassandra, morreu durante a gravação da série, e o elenco recebeu a notícia no set de filmagem.
- O diretor Luís Pinheiro contou que ao ler o roteiro, logo imaginou Liniker e Karine para os papeis de Cassandra e Leide, e assim que elas fizeram o teste, não testou mais ninguém.
- Apesar de Manhãs de Setembro se passar em São Paulo, 90% dos sets de filmagem e lugares que o elenco visita são no Uruguai. A série foi gravada em meio a pandemia e as restrições no Brasil eram mais rígidas do que as do país vizinho. As únicas cenas gravadas em São Paulo são as imagens aéreas da cidade e as de Cassandra andando de moto pelas ruas.
