M8 – Quando a morte socorre a vida | Intenso, filme fala de racismo, sincretismo religioso e a força da mulher preta

Priscila Dórea
5 Min de Leitura

Dirigido por Jeferson De, M8 – Quando a Morte Socorre a Vida conta a história de Maurício (Juan Paiva), jovem preto periférico que começou a cursar medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em sua primeira aula de anatomia, ele conhece M8 (Raphael Logam), o cadáver que servirá de estudo para ele e os amigos. Ao decorrer do semestre, o mistério da identidade do corpo só pode ser desvendado depois que ele enfrentar suas próprias angústias.

Logo nos primeiros cinco minutos fica claro o caminho que a história vai tomar, ainda que essa percepção não te prepare realmente para o final do longa. M8 fala sim de racismo, mas vai muito além. Todo o roteiro, a fotografia e até mesmo a trilha sonora busca mostrar uma coisa: o lugar das pessoas pretas dentro da sociedade racista brasileira.

Isso estar em Maurício ser o único negro de sua turma (e um dos poucos da faculdade, se você observar bem as cenas nas áreas comuns da instituição); nos cadáveres sem nome dissecados na aula de anatomia; na diferença do ambiente onde Maurício mora e compara ao dos amigos; no rap que esses amigos só ouvem no carro fechado com ele (quase escondidos, ainda que essa não seja a intenção); no Chopin escutado na casa do patrão rico de sua mãe… E por ai vai.

O protagonista sabe o que é preconceito, sabe o que é racismo, mas sua entrada em um curso universitário elitista abre seus olhos para a magnitude desse lugar que o corpo preto ocupa na sociedade. Seguimos Maurício por seus dias, o meio onde vive, seus estudos, suas conversas e idas ao terreiro com a mãe. E em meio a isso muitos são os olhares atravessados que sempre o acusam de estar no “lugar errado”.

A sua busca pela identidade M8 ganha uma outra dimensão a medida que ele se dá conta que o fundo do poço da sociedade racista brasileira é muito mais fundo. O sistema e o estado não funcionam, as politicas públicas são falhas e junto a vários protocolos, marginalizam e excluem a população preta sem pestanejar. E diante disso, parece haver muito pouco o que fazer de forma efetiva para que a balança seja menos desigual.

No entanto, mesmo Maurício sendo o protagonista dessa história, as Mães com certeza roubam a cena. Em um protesto que dura dias, mães pretas com filhos a muito tempo desaparecidos e sem ter esperança alguma que as autoridades ajudem, gritam a plenos pulmões para que seus filhos sejam encontrados. As cenas são fortes e o desespero que elas passam atinge Maurício e quem assiste em cheio.

E a mãe mais poderosa aqui com certeza é sua própria, Cida. Mariana Nunes apresenta uma atuação absolutamente fabulosa e a cena de sua briga com o filho possui uma força desmedida. Outra cena forte, ainda que de forma negativa (e vergonhosa), é a da conversa de Maurício com Carlota (Malu Valle). São grandes contrapontos, diferentes discursos e uma amostra da histórica deficiência social que se encontra longe de enxergar a todos como iguais e merecedores de respeito.

“Sou uma mulher preta falando. Me escute”

M8 – Quando a Morte Socorre a Vida é um filme que nos faz refletir por ser ele mesmo por inteiro uma dura, mas verdadeira, reflexão. Ao mesmo tempo que pode ser chamado de um filme forte sobre a realidade, há ainda um misticismo inesperado em seu roteiro que leva a história para outro patamar. O que é mostrado ali é a realidade de mais da metade da população brasileira, por isso é um filme que todos deveriam assistir, principalmente as pessoas brancas.

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Jornalista e potterhead para toda eternidade, tem um amor nada secreto por mangás e picos de felicidade com livros em terceira pessoa. Além de colaboradora no Cinesia Geek, é repórter do Grupo A Tarde e coapresentadora do programa REC A Tarde.
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