Religião sempre é um assunto bem espinhoso de se lidar, principalmente nos dias atuais. Apesar disso, o terror sempre procurou mergulhar nesse assunto de inúmeras formas e coincidentemente se tornou quase que o genero que mais combinou com a temática.
A A24 nos últimos anos tem entregado os mais interessantes filmes do gênero, sendo que quase uma produtora para ideias mais experimentais em Hollywood. Obras como A Bruxa, Hereditário e Saint Maud são filmes da empresa que exploram e se encaixam muito bem no quesito em abordar a temática religiosa em seus roteiros.
Dirigido pela dupla Scott Beck e Bryan Woods, Herege, é um filme com todos os trajetos do estúdio que que vai trazer questionamentos acerca da religião e como isso afeta o mundo de uma maneira bem simples e interessante. Ele se utiliza de duas jovens protagonistas para trazer esse embate entre a reflexão do vilão sobre o mundo e uma possibilidade de fé real, usando bases conhecidas da cultura pop e indagando um discurso mais palpável para propor uma reflexão ao telespectador de forma genial, ainda que tenha um pequeno declínio em seu ato final.
Na trama, somos apresentados à história de Paxton e Barnes, duas jovens missionárias mórmons que passam o tempo tentando recrutar novos fiéis, mas a tarefa parece impossível. Um dia, ao pararem em uma casa isolada, elas conhecem o Sr. Reed, um homem que aparenta estar genuinamente interessado em ouvi-las. Quando diversos elementos da calorosa recepção começam a passar a mensagem de que a situação talvez seja mais perigosa do que parece, as duas precisarão confiar na fé se quiserem sobreviver.
Um dos primeiros ponto a destacar do terror é seu roteiro: a construção da tensão e imprevisibilidade constante mantém o espectador a todo o momento com um ponto de interrogação na cabeça, sem saber qual será a próxima direção seguida. Junte isso a incríveis monólogos que conseguem discutir de maneira assertiva como as religiões são forçadas na maioria das pessoas, e também como a fé se tornou um comércio ao longo das décadas ( banco imobiliário ficará marcado em sua cabeça depois desse filme!) e temos um terror psicológico de grande impacto aqui.
Se no passado Hugh Grant ficou conhecido por seus papéis de mocinho nas comédias românticas, é possível afirmar que nos últimos anos o ator vem tentando quebrar com esse paradigma, entregando em Hollywood uma bem-vinda cota de personagens mais perturbados. Aqui ele encontra o tom perfeito. Trazendo uma arrogância quase que sádica, seu personagem é um manipulador que confia em seu suposto intelecto para sempre controlar o ambiente, mantendo-se um passo à frente em relação às vítimas – e a nós.
Ao lado de Grant, Chloe East e Sophie Thatcher também casam perfeitamente bem com suas interpretadas, dando vida a protagonistas que se mostram muito mais interessantes do que o inicialmente esperado, principalmente East que surpreende e até subverte na metade final.
Porém, o terceiro ato se empolga com as reviravoltas do filme e traz uma resolução um tanto que não muito condizente com o que fez durante todo seu processo, perdendo em um desfecho inflado e pouco convincente.
Com uma fotografia bonita, enquadramentos deslumbrantes e transições criativas, Beck e Woods conseguiram comprimir todos os âmbitos do longa em um produto sólido, tornando Herege tecnicamente impecável. Apesar do deslize no ato final, Herege entrega um reflexivo e intenso terror que traz questionamentos interessantes quanto a fé e a manipulação, que embora não se aprofunde tanto, esse conceito de reflexão brinca bem com a sociedade atual e a cultura pop de modo geral.