Hereditário redefine o que é sentir medo

Danilo de Oliveira
5 Min de Leitura

Eu tinha falado em uma crítica recente, que o terror nos últimos anos vêm trazendo ótimas novidades para um gênero por um longo período ficou relegado a formula batidas e produções de cunho ridículo.

Bom, a A24 que nos trouxe alguns frescores como A Bruxa e Ao Cair da Noite, ambos filmes que pensam fora do terror comercial que é vendido hoje e exploram o lado mais angustiante e essencial para o medo, nos traz mais uma obra que com certeza vai dividir a opinião do publico casual, mas que quem realmente gosta de filmes essencialmente na raiz do gênero, cara Hereditário atualiza esses status com louvor.

A trama acompanha a família Grahams, composta por Annie (Toni Collette), seu marido Steve (Gabriel Byrne) e seus filhos Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro). Após a morte da mãe, com quem Annie tinha uma relação bastante confusa, as relações familiares finalmente implodem.

Um dos pontos mais importantes de Hereditário é a forma como a história é conduzida. Mesmo entregando alguns sustos clássicos do gênero, como vultos e visões perturbadoras, Ari Aster, diretor e roteirista estreante no mundo dos longas-metragens, cria uma verdadeira viagem aos confins da (in)consciência humana, utilizando todas as ferramentas possíveis e imagináveis para criar uma atmosfera densa, dramática e aterrorizante, na história de uma incauta família que perde sua matriarca e passa a ser “assombrada” por visões, sensações e experiências absolutamente fora do normal.

À medida que fenômenos estranhos acontecem ao redor da família, Annie encontra indícios de que possam ser manifestações psicológicas, mas prefere acreditar na leitura paranormal. Steve, por sua vez, encontra cada vez mais indícios sobrenaturais, mas mantém suas crenças científicas e céticas. Eles representam duas maneiras opostas de ler as mesmas imagens, algo que persiste em todo o filme: as perturbadoras cenas de Hereditário podem ser a “prova” de uma manifestação sobre-humana, ou a simples metáfora de uma mente perturbada e afetada pelo luto.Ele respeita a inteligência do publico e abre espaço passivo para discussão de acordo com as crenças do espectador.

O terror está além dos sustos constantes, do sangue espirrando nas paredes de um quarto ou no medo do escuro. Assim como é uma característica do gênero, o terror explora os nossos medos mais recentes. E tem coisa mais apavorante que a perda e a medo do inevitável?

Um misto de drama psicológico e história de fantasma, alguns pontos técnicos são importantes para o espectador entrar na atmosfera criada por esse filme. O primeiro é a excelente fotografia de Pawel Pogorzelski. O diretor buscou óbvias referências cinematográficas em O Iluminado, principalmente ao explorar os ambientes desta casa que soa extremamente isolada.

Outro ponto essencial é junção da trilha sonora agoniante de Colin Stetson e da mixagem de som de Steven C. Laneri, que oferecem um som quase ambiente dentro da sala do cinema, com a trilha ganhando real destaque somente em momentos chaves da trama.

O elenco está de uma entrega incrível,Toni Collette incorpora uma mulher frenética que tenta lutar contra seus demônios internos. Seu desespero em um momento do longa é angustiante, e somos testemunhas de uma dor que dificilmente é tão palpável.Gabriel Byrne entrega uma atuação mais suave ao ir se tornando mais impaciente no decorrer do filme.Alex Wolff interpreta um adolescente extremamente transtornado pelas escolhas feitas e os danos causados de forma inconsciente durante o filme. Tanto Annie, quanto Peter, carregam grandes bagagens de culpa e certa inocência compartilhada.Outra que rouba a cena é a garotinha Milly Shapiro, que constrói sua personagem em torno de uma irritante mania com o estralar de sua língua, que provavelmente vai te dar pesadelo por dias… ou por anos. Indicada a um Grammy pela peça na Broadway ‘Matilda‘, a jovem atriz entrega uma atuação espetacular que vai deixar o espectador boquiaberto.

Hereditário pode se considerar um divisor de águas no gênero. Pode não ser o novo Exorcista como muitos estão dizendo, mas com certeza a obra de Aster se coloca como um das mais perturbadoras e angustiantes filmes dos últimos anos

 

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