Indicado nas categorias “Melhor Animação” e “Melhor Filme Internacional” Flow é uma daquelas obras que chegam de mansinho e cativa como poucos.
A jornada do gatinho lutando pela sua sobrevivência quando seu lar é inundado e tendo conviver com animais de diferentes especies em um pequeno barco é um misto de fofura e reflexão sobre os desafios da vida e os amigos pelo caminho.
A obra dirigida Gints Zilbalodis ( que também assina o roteiro) tem em seu escopo e concepção coisas tão simples de jornada, mas é nisso que mora sua maior perola.
Zilbalodis aposta fichas em uma espécie de futuro pós-apocalíptico em que, ao que tudo indica, os seres humanos já não estão ali – apenas resquícios de uma era que foi obliterada pelo tempo e pela natureza. Em meio a ruínas quase memorialísticas, um pequeno gato preto passa seus dias caçando para sobreviver e desviando de perigos em potencial, retornando para o que admitimos ter sido a casa de seu humano e acreditando que não existe nada além disso. Porém, em um determinado dia, o gato se vê no centro de uma inundação monumental, sendo forçado a correr para casa e se proteger. Mas as coisas não saem como o planejado – e a enchente toma proporções catastróficas minuto após minuto, logo tomando conta de sua residência e de qualquer ponto mais alto em que possa se esconder. Por sorte, o gato vê uma embarcação chegando e não pensa duas vezes antes de se refugiar ali, dividindo-a com uma habilidosa capivara, um lêmure, um cachorro e uma garça, que os ajudam a navegar pelas caudalosas águas e pela realização de que, talvez, nada volte a ser como era. A partir daí, o longa fala sobre as dificuldades de encarar as diferenças, mas a necessidade de não ficar só pelo caminho.
O roteiro faz a uma reflexão profunda sobre a dualidade da passagem das Eras: para algumas criaturas, a inundação representa uma oportunidade; enquanto para outras, é um desafio e uma ameaça. A água serve como um símbolo de mudança – a enchente vem para desconstruir a realidade do protagonista e dos coadjuvantes, lançando-o em uma jornada não apenas de autodescoberta, mas de confrontamento do que foi e do que é.
A parte técnica é um primor incrível! Vivendo uma nova fase da animação, onde o modelo 3D convencional já não é o grande chamariz, mas sim as variadas técnicas do estilo que parecia perdida, a equipe aqui trabalha com uma modelagem simples que utiliza software Blender (qualquer um com conhecimento e um bom PC pode trabalhar com ela) permitem que o realismo seja pincelado com pulsões míticas e catárticas. É como se tudo fosse feito no pincel genuinamente de encher os olhos, visto que detalhes como pelo dos animais são bem retratos como em um quadro de tão bonito e casando com a estrutura de sua narrativa.
Pra finalizar, Flow não é apenas uma animação, mas uma obra incrivelmente reflexiva que impressiona por nos mostra que algumas mudanças são inevitáveis e que para sobreviver a elas, precisamos nos moldar, seja vencendo os medos, sabendo relacionar-se com os diferentes, abraçar a coletividade e abstrair, mesmo com sentimentos conflitantes que tudo flui, tudo muda e assim é a vida!
