O mundo está repleto de histórias com muitas variáveis, ou melhor dizendo, nuances. O lançamento da Faro Editorial tem um mundo muito real, e com um conto tão visceral quanto seu nome. O autor, diretor e também cineasta brasileiro Marcos DeBrito criou uma atmosfera envolvente para os seguidores do gênero terror e suspense. Como diferencial ainda temos o nosso Brasil Colônia, onde sabemos que as crenças africanas e portuguesas se misturaram a ponto de criarem muitos mitos. Aqui, o leitor e o medo são os únicos convidados para dividir horas a fio dessa empenhada obra.
Como um bom romance de época, existe uma contextualização e todas as características precedentes que serão usadas como munição desse cenário explorado pela Coroa portuguesa. O século XVIII abriga em uma fazenda de cana-de-açúcar todos seus escravos, a maioria revoltos com essa sentença, outros aceitando como se já estivessem mortos. Após um evento muito mais brutal, fica eminente a fúria e o caos incontrolável dos escravos, ou melhor, de apenas um. O autor é conhecido por escrever obras do gênero, a exemplo de “Condado Macabro” e “À Sombra da Lua: O Mistério de Vila Socorro“, sendo referência ao lado de lendas como Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft.
Entre os personagens, estão divididos a família Cunha Vasconcelos, dona de terras, com um pai autoritário, os filhos Antônio e Inácio, irmãos tão diferentes e os “favoritos” das correntes, troncos e chicotes: os escravos. Entre eles, Aliki (o mais velho) e Sabola (o recém-chegado), sem dúvida são os destaques, pois existe uma amizade que incentiva a leitura até de quem não gosta de açoitamentos e sangue espirrado a esmo. O preconceito nem precisa ser explicado aqui, afinal, nós sabemos. A fazenda Capela é também servida pelas criadas negras com muito detalhamento em suas características, termos como “pele cor de jambo” remonta a lembrança viva dos clássicos nacionais. Afinal, “nada se cria, tudo se transforma”, então, o nosso folclore também. Você acredita na Mula Sem Cabeça? Nossas fábulas ganham vida, ainda que seja amaldiçoada.
Não falta sangue em cada uma das páginas, que inclusive justificam bem a lombada vermelha do livro (a qualidade do material físico impressiona). Cenários que hoje só encontramos nos interiores do país serão frequentes, fugas alucinantes na mata, neblina precedendo matanças dignas de “Game Of Thrones“, ou seja, dar um pouco da história do Brasil como sacrifício foi essencial para elevar o interessante primeiro contato. Depois disso a obra não se torna diferente de uma leitura de Stephen King. Sim, é um grande feito! Tudo porque existe um detalhamento de um diretor, sem faltar com a identidade da literatura nacional. O romance não deixa de estar presente, ou seja, a ideia de amor proibido será um tema recorrente, assim como a religião sendo relativizada.
Algo mirabolante é a narrativa, cheia de reviravoltas, algo que pelo visto é característico em DeBrito. Esteja certo de que “O Escravo de Capela” é um daqueles livros que você terá que estar preparado para lê-lo, já que ele parece ter nascido pronto, pois mesmo sabendo do conteúdo sanguinário, nos torcemos pelos personagens. É possível se sentir num filme, tudo porque os anos de diretor e cineasta fizeram bem para o autor, e logicamente, para essa leitura. Seu livro “Condado Macabro” já foi adaptado para o cinema, ou seja, não é impossível. Está claro também que esse é apenas o começo dessa estória, ou seja, o livro 1 com direito a uma continuação que esperaremos ansiosos, por sorte esse livro se faz entender e não depende de sequências.