Doutor Sono │ Uma comparação entre livro e filme

Lorena Brito
10 Min de Leitura
Doutor Sono/Warner Bros./Divulgução

Doutor Sono é o 61º livro publicado de Stephen King, o queridinho do mundo do horror, como uma continuação ao famoso O Iluminado. A continuação deixou os fãs esperando por anos, já que só foi publicada em setembro de 2013, 36 anos após o lançamento de O Iluminado, em 1977. O livro conta com a história de Dan Torrance, a criança levemente perturbada apresentada a nós no primeiro livro, mais de 30 anos após sua experiência com o Hotel Overlook. Agora, em 2019, temos a oportunidade de ver essa história nas telas do cinema, com o filme recém-lançado no dia 7 de novembro, através das mãos do diretor Mike Flanagan.

Danny cresceu com memórias traumatizantes tanto do seu pai quanto do Hotel, gerando assim um adulto problemático que usa a bebida alcoólica como meio de escape da realidade e de sua “iluminação”, como ele mesmo explica e deixa bem claro desde o início que considera uma maldição. No meio de sua busca por sua sobriedade e desejando tornar-se uma pessoa melhor, Danny acaba em Frazier, onde começa a frequentar os alcoólicos anônimos com a ajuda de seu novo amigo Billy, e começa a trabalhar em uma clínica para pessoas com doenças terminais. Devido a sua proximidade com o sobrenatural e sua habilidade de tranquilizar as pessoas ante a morte, ele é nomeado de “Doutor Sono” pelos residentes, vindo desse apelido o nome da obra. Através desse trabalho, Danny começa a ter uma ideia mais clara sobre o Brilho, o vapor e como todas as pessoas o possuem em níveis diferentes.

As coisas começam a ficar mais agitadas quando Danny começa a ter contato com Abra, uma menina com Brilho muito forte, que consegue se comunicar através do quadro-negro com ele. Abra é um personagem interessante, pois remete ao próprio Danny quando era criança, porém com a vantagem da diferença de geração e de uma família bem estruturada, que faz com que Abra seja muito mais articulada e tenha plena consciência de seus poderes, que foram desenvolvidos desde muito nova.

O grande ponto chave da junção deles dois é a morte de Bradley, uma criança iluminada que é assassinada a sangue frio por um grupo chamado de Verdadeiro Nó, que são criaturas que também possuem o Brilho, mas preferem usá-lo de forma diferente, para atingir a imortalidade. Por causa da conexão entre as pessoas que possuem o Brilho, Abra consegue presenciar astralmente a morte de Bradley, causando um medo e um sentimento de vingança na menina, que pede a ajuda de Danny nessa jornada.

A partir disso, temos, do outro lado da história, o Verdadeiro Nó e seus personagens, que nada mais são do que um culto milenar de criaturas que se alimentam do vapor das pessoas iluminadas, mantendo sua jovialidade. O grande disfarce deles é uma das características peculiares do grupo, que viajam em trailers que são bastante comuns nos Estados Unidos, e que possuem, em sua maioria, aparência de hippies (nunca aceite carona de estranhos!).

Dentre eles, nós temos Rose, a Cartola, criadora e maior mente por detrás do grupo, que é bastante articulada e consegue tudo o que quer com sua manipulação dada pelo Brilho. A partir do momento em que as reservas de vapor começam a se tornar cada vez menores, Rose começa a se preocupar com a continuidade de seu grupo e articula um plano para conseguir capturar Abra, para usufruir da grande quantidade de vapor que ela tem.

Um outro personagem que se destaca é Andi Cascavel, que é uma nova integrante do grupo com apenas 15 anos, que insere uma problemática na análise de moral do grupo como um todo, já que ela utilizava sua iluminação para se vingar de homens que abusavam de menores de idade. No livro, essa pauta é bem abordada com o background de Andi, mas ficou um pouco em falta no filme, fazendo com que, no fim, ela fosse apenas mais uma personagem “malvada” cujas ambições e desejos são perdidos.

Uma outra questão que também deixou a desejar no filme foi a falta de entrosamento entre os integrantes do Verdadeiro Nó, já que o livro deixa bem claro a conexão entre eles, fazendo questão de expor os momentos que eles passam juntos e também os relacionamentos que eles cultivam entre si. De certo modo, o sentimento que é passado em relação a eles no filme é que são apenas mais um grupo de vilões malvados que querem apenas o caos, sendo que esse não é o caso, já que Rose lutava pela sobrevivência do grupo devido à escassez de vapor, além do Verdadeiro Nó ter conexões bastante profundas e um grande senso de família e comunidade.

Existem muitos pontos-chave na trama que, felizmente, foram muito bem abordados no filme, conseguindo passar a sensação de continuidade e que não deixou muitas cenas importantes do livro de fora da versão cinematográfica. Por outro lado, é deixada a sensação de que um dos papéis que o filme não conseguiu cumprir (e que foi realizado muito bem no livro) foi a capacidade de fazer o espectador se apegar aos personagens secundários. Temos como grande exemplo o Billy que, apesar de ter uma grande importância na vida de Danny e ser praticamente imprescindível pra sua melhora, não foi destacado tanto assim nas telas. As cenas em que ele aparece são breves, apesar dele geralmente vir com conselhos que conseguiram, de um jeito ou de outro, mudar a percepção de Danny sobre ele mesmo e sobre seu propósito.

Uma das grandes características das obras de Stephen King são os pensamentos dos personagens, que são expostos ao leitor e que dão a sensação de imersão e profundidade da história que é contada. Sendo algo difícil de ser capturado e posto nas telas, esse papel, no filme, é desempenhado pela ótima sonoplastia, que consegue passar quase perfeitamente a atmosfera que é desejada, com sons repetitivos e notas agudas, o mesmo tipo de técnica utilizada por Kubrick em “O Iluminado”. Além disso, nós temos os jogos de luz e sombra, que também são bem utilizados durante a obra, fazendo com que, mesmo nas cenas mais “leves” e descontraídas, haja uma certa melancolia que pode ser sentida através da iluminação.

Eu, particularmente, considero esses dois pontos como grandes características da obra tanto de Kubrick quanto de Stephen King, então o fato de que essa continuação conseguiu resgatar essa identidade do filme e do autor e expressá-la nesses detalhes importantes é incrível. Ao assistir o filme, você consegue claramente saber que não somente é baseado em uma obra do Stephen King, como também possui esses elementos-chave de uma atmosfera de horror que somente Stanley Kubrick conseguia criar, que foi perpetuada para “Doutor Sono” também.

A fotografia do filme também não deixa a desejar no quesito de atmosfera, principalmente nas viagens astrais que são feitas por Abra e por Rose, conseguindo ilustrar muito bem o que é apresentado aos leitores no livro, trazendo essas cenas do mundo das ideias pro mundo real (obrigada, computação gráfica!).

No geral, eu creio que Mike Flanagan conseguiu honrar a memória de Stanley Kubrick ao criar essa atmosfera, além de satisfazer Stephen King, gerando um filme que é fluido, atrai sua atenção do início ao fim, conseguindo capturar em sua maioria a essência dos personagens e criar uma atmosfera tensa que paira a todo momento e em todas as cenas, dando aquela sensação de ansiedade no seu corpo, assim como em O Iluminado. Apesar disso, existe uma disparidade grande de imersão na história dos personagens e na importância dos mesmos na trama quando se compara o livro com o filme, mas essa questão não deixa de fazer com que o filme seja bastante fiel ao livro em questão cronológica e de cenas importantes, sendo gostoso de se assistir mesmo sem o conhecimento prévio da obra escrita.

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Gamer desde que se entende por gente, divide seu tempo livre entre expandir seus conhecimentos sobre eles e assistir todo tipo de série que lhe vem na mente. Estuda Medicina Veterinária e aprova a introdução de Pokémons no currículo.
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