É meio esquisito que o primeiro projeto de Robert Downey Jr após o fim colossal de uma era de Vingadores seja um reboot da história de Dolittle. Ele não só estrela como o personagem-título como é um dos produtores do filme, assim como sua esposa, Susan Downey.
Também é surpreendente a quantidade de nomes famosos que eles conseguiram para dublar animais: Rami Malek, Emma Thompson, Tom Holland, Selena Gomez, Craig Robinson, John Cena e muitos, muitos outros. É um jogo mental ficar tentando adivinhar que ator A-List está dublando esse animal de computação gráfica – pelo menos, os animais são de uma computação gráfica bem feita, sem vale da estranheza, mais Rei Leão do que Cats.
Porém, o filme não consegue, como pareceu tentar, se elevar para aquele nicho de filmes de público infantil que são cheios de referências ao mundo adulto para os pais pegarem, ou mesmo para o nicho de filmes de criança com uma temática emocional muito bem construída, arrancando lágrimas dos adultos. Basicamente, o filme tenta ter o tom de Shrek e de filmes da Pixar ao mesmo tempo, o que é como tentar juntar chocolate e filé mignon. São duas coisas ótimas, mas não funcionam bem ao mesmo tempo.
O público alvo do filme, crianças de 6-12 anos que gostam de animais, provavelmente irá se divertir, ainda mais com atores infantis que cumprem bem seus papéis de serem auto-inserção para todo tipo de pequeno: de aventureiros rebeldes a monarcas elegantes.
Porém, uma coisa chama a atenção de quem tem o olhar mais amadurecido: é estranho como os atores infantis parecem versões rejuvenescidas de Tom Holland e Mackenzie Foy. Era quase de se esperar nos créditos o texto “Hoje, o papel de Tom Holland será feito por Harry Collett, e o papel de Mackenzie Foy por Carmel Laniado“. Os personagens, inclusive, são bem o tipo que Holland e Foy costumam fazer.
As dublagens e atuações infantis são ok, mas as atuações adultas em live action que puxam o filme para baixo. Robert Downey Jr, Michael Sheen e Antonio Banderas são grandes atores, indicados para os maiores prêmios da indústria por sua competência e talento, e é surreal vê-los interpretar personagens tão caricatos e toscos. O roteiro não dá muito para nenhum deles trabalhar em cima, mas a história fica ainda pior para Downey, que deveria ter um arco – teoricamente ele têm, mas a atuação do personagem não passa isso, atrapalhada por movimentos caricatos, piadas ruins e um sotaque bizarro.
Algumas decisões do filme, apesar disso, merecem ser reconhecidas como positivas: a forma com que a linguagem animal versus humana é tratada é interessante, com transições visuais entre o indicado ao Oscar Robert Downey Jr imitando animais e o mesmo falando inglês com os bichos já devidamente dublados. O design de produção também é interessante visualmente, com um apelo infantil considerável, e a escolha de Tom Holland para fazer um cachorro é perfeita – se eu conhecesse um cão falante e ele não tivesse a mesma voz e cadência de Holland, seria uma decepção.
No fim, Dolittle é um filme para crianças que irá agradar o público alvo sem grandes memórias duradouras, talvez rendendo algumas semanas de brincadeiras com os amigos. Mas para um adulto entretido pela lista extensa de grandes nomes no elenco, a experiência será tediosa, sem piadas que funcionam e com uma dose de vergonha alheia ao imaginar um estúdio com um ator de respeito tendo que falar coisas como “Eu adoro o cheiro de traseiros”.