“É um negócio perigoso, Frodo, sair da sua porta. Você pisa na estrada, e, se não controlar seus pés, não há como saber até onde você pode ser levado”. É essa a sensação que temos quando falamos sobre fantasia medieval. Um multiverso de possibilidades cheio de magia, espadas, castelos, elfos, trolls… Realidades onde podemos nos perder dentro da prolificidade da imaginação. Em 1954, J. R. R. Tolkien apresentou ao mundo O Senhor dos Anéis, uma obra que catapultou a ficção fantástica de forma jamais vista, inspirando a criação de diversas outras obras dentro da mesma temática e reverberando até os dias de hoje. Atualmente, o grande fenômeno da fantasia medieval tem um nome: George R. R. Martin, que ilustra em caixa alta os principais livros de fantasia nas prateleiras. Tornamo-nos obcecados por Game of Thrones, com todas suas tramas políticas alinhavadas por elementos fantásticos, com personagens de dimensões ímpares e, é claro, dragões.
Assim, a editora Leya reuniu contos fantásticos de diversos autores, dentre eles o ilustre George R. R. Martin, em uma obra que permeia os variados aspectos da temática medieval. Essa coletânea intitulada “Crônicas de Espada e Feitiçaria” (originalmente The Book of Swords), publicada pela em junho deste ano, e editado por Gardner Dozois, traz histórias de autores como Robin Hobb, Walter Jon William, Garth Nix, dentre outros, que nos fazem mergulhar nesta sensação de aventurar-se por terras desconhecidas onde magia e coragem são as palavras de ordem. O último conto, Os Filhos do Dragão, escrito por George R. R. Martin, fala sobre o início da dinastia Targaryen, que reinam absolutos em Westeros, mostrando a fatídica história dos filhos do poderoso Rei Aegon I Targaryen que conquistou Westeros em uma disputa insana por poder e pelo Trono de Ferro. Essa história vai sossegar um pouco a ansiedade dos fãs da saga que aguardam pelo próximo livro.
Apesar dos contos versarem sobre fantasia, também trazem histórias carregadas de conjecturas sobre moralidade, usando recursos fictícios para delinear um questionamento aplicável às nossas vidas. Algo muito comum na ficção, que dança com a realidade, muitas vezes se mesclando dentro da singularidade do que é ser humano. Nesta coletânea de contos, vemos personagens conflitantes, que tangem conceitos de ética, honra e princípios de forma leve e divertida. Como são muitos contos, nossas colaboradoras Laís Andrade e Lívia Batista escolheram dois para indicar:
O Melhor Homem Vence – K. K. Parker (resenha por Laís Andrade)
O primeiro conto, O Melhor Homem Vence, escrito por K.J. Parker, narra a rotina de trabalho de um ferreiro, com uma perspectiva em primeira pessoa, fato que adquire um peso maior ao longo da história quando vamos nos aproximando mais do personagem e nos surpreendendo com sua vulnerabilidade sob a expressão dura. A história começa mostrando um ferreiro trabalhando na forja quando é interrompido por um visitante. Um jovem que o causa desagrado por sua aparência nobre e sua voz considerada irritante. Logo nota-se que o ferreiro não é dos mais sociáveis e que abraça essa sua condição com altivez, quase como um mérito. O rapaz diz que gostaria de adquirir uma espada. A melhor de todas, segundo ele. Após ser bem pago pelo ofício, o ferreiro começa a se dedicar à tarefa, enquanto o rapaz observa-o trabalhar.
Durante a narrativa nota-se um tom meio solitário, orgulhoso e pedante no ferreiro, como alguém com quem a vida não foi fácil, mas que no âmago deseja compartir suas experiências vividas com alguém, só que por orgulho, opta por não fazê-lo. Em momentos pontuais ele se refere ao que as pessoas da aldeia pensam ou possam pensar sobre ele, evidenciando um certo interesse desse homem solitário pela opinião alheia sobre si. Um homem casado com o próprio trabalho, que tem por companhia o fogo e a bigorna, que vive para forjar em um ritmo ininterrupto.
O que é ser o melhor? É o questionamento que fica ao fim da história. O que perdemos buscando ser o melhor? Para ferreiros, cada passo mais perto da perfeição é mais fuligem respirada, menos tempo de vida. Essa história nos faz refletir sobre os objetivos distantes que impomos a nós mesmos e como, ao atingi-los, não sentimos a completude que esperávamos sentir. Como miragem, esse objetivo antes tão bem quisto, logo se dissipa quando tocado.
A Fumaça do Ouro é a Glória – Scott Lynch (resenha por Lívia Batista)
Essa é uma das clássicas narrativas medievais: um grupo que vai atrás de riquezas protegidas por um dragão. O conto é narrado por Crale, ladrão quando jovem e futuro contador de histórias, depois dos acontecimentos, mantendo viva a personalidade esperta e, em alguma medida, debochada. A experiência de Scott Lynch como escritor de RPG muito provavelmente inspirou as descrições de cenário, a criação das armadilhas pelas quais os protagonistas passaram e a descrição do próprio dragão, Glimraug. Super fácil de ler, A fumaça do ouro é a glória agrada a gregos e troianos.