Desenvolvida para Netflix pelos irmãos Matt e Ross Duffer, mais conhecidos pelo longa-metragem Hidden (2015) e por seu trabalho na série Wayward Pines (2015), Stranger Things é mais novo produto revival dos anos 80 que atualmente está em alta no cinema americano.
Mais o que poderia ser apenas mais um exercício nostálgico vazio, se transforma em diversão pura graças aos personagens e à história que, apesar de possuir um enredo simples, é desenvolvida pelos irmãos Duffer com uma paixão que transparece em cada frame, recheada de referências ao cinema dos anos 80, indo de John Hughes a Steven Spielberg, passando por Stephen King e John Carpenter. É possível identificar cenas inteiras inspiradas em Conta Comigo (1986) e E.T. – O Extraterrestre (1982), pra citar só as mais marcantes. Tudo isso embalado por uma belíssima trilha sonora, toda em sintetizadores, composta por Kyle Dixon e Michael Stein, em seu trabalho de estreia, e muito rock’n’roll oitentista de primeira, com destaque para uma cena acompanhada pela belíssima Helegia do New Order que é de partir o coração.
Tudo começa na fictícia cidade de Hawkins, Indiana, onde os amigos Will (Noah Schnapp), Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin) passaram horas e horas no porão jogando D&D. Parecia mais uma noite normal, só que, quando eles resolvem ir para casa, algo acontece. Um misterioso monstro ataca Will, que some misteriosamente. Este é apenas o início das “coisas estranhas”.
Joyce (Winona Ryder), mãe do garoto, vai até a polícia pra buscar ajuda. Inicialmente o Chefe Hopper (David Habour) dá de ombros, meio que achando que o garoto está bem e que a ela, separada do marido, é desleixada com os filhos. Porém, Hopper aos poucos vai se deixando levar pelo caso, muito por conta do próprio passado dele com a filha e a família. Uma busca que o leva a um misterioso laboratório do governo nos limites da cidade.
Ao mesmo tempo, Mike, Dustin e Lucas não desistem do amigo. Mesmo sem permissão, eles se juntam para EMPREENDER as próprias buscas, o que os coloca frente a frente com uma misteriosa garotinha de cabelo raspado, Eleven (Millie Bobby Brown), que pouco fala e tem uns poderes misteriosos. Como bem define o Dustin, ela parece uma X-Men. 😀
Também tem Jonathan (Charlie Heaton), irmão de Will, que tenta racionalizar os fatos e distribuir fotos do garoto por aí, mas com pouco resultado. Ele chama a atenção da Nancy (Natalia Dyer), irmã do Mike e que, apesar de estar toda IN LOVE com Steve (Joe Keery), se sensibiliza com a história e passar a ajudar Jonathan.
Assim, Stranger Things constrói quatro histórias paralelas, cada uma com um único objetivo – encontrar o Will – que vão descobrindo partes diferentes deste quebra-cabeça. Uma personagem é tida como maluca por todos, tentando se comunicar com o filho pelas luzes; o outro se vê em uma grande conspiração governamental; os adolescentes parecem que estão no meio de um filme de terror; e as crianças embarcam numa aventura digna de RPG, com superpoderes e dimensões paralelas.
Aos poucos, esses caminhos vão se encontrando e o quebra-cabeça ganha forma. A forma de um grotesco monstro sem face…
São apenas oito episódios – o que possibilita ao espectador a (muito provável) experiência de assistir a todos em sequência. Apesar de serem poucos em relação a outras séries de sucesso, que contam com mais de 20 episódios por temporada, eles se mostram suficientes para ganhar a atenção do público e garantir a expectativa/torcida por uma segunda temporada.
Como já é característica marcante das séries da Netflix, os aspectos técnicos de Stranger Things são quase impecáveis. A ressalva fica por conta do uso imperdoável do CGI pouco convincente em uma série que busca emular o estilo oitentista de se fazer cinema. Nada que a prejudique, mas criaturas feitas em stop motion deixariam o sabor de nostalgia ainda mais acentuado enriquecendo ainda mais essa experiência de viagem no tempo.
E já que estamos falando dos (poucos) defeitos de Stranger Things, não podemos deixar de falar do roteiro. Esta história já foi explorada em inúmeras produções do gênero, mas a equipe de roteiristas trabalha muito bem dentro das limitações do conceito. A qualidade da série cai um pouco próximo ao final devido à urgência de se resolver alguns pontos e deixar ganchos para uma segunda temporada, mas o saldo é positivo.
Certamente o ponto alto da série é o elenco, encabeçado pelo quatro amigos Finn Wolfhard, Gaten Matarazzo, Caleb McLaughlin e Noah Schnapp, que convence e cativa. Junta-se a eles a pequena e misteriosa Onze vivida por Millie Brown, que entrega uma das melhores atuações infantis vistas no cinema ou TV. Sua personagem é forte, poderosa, sensível e frágil, e Millie consegue passar essa ambiguidade como muito ator veterano ainda não aprendeu a fazer. Outro acerto no casting da série é o resgate de Wynona Ryder, que está muito bem como Joyce, a desesperada mãe do jovem desaparecido que fará de tudo para ter seu filho de volta, atuando no modo surtado e overacted que funciona muito bem para sua personagem.
Stranger Things é, desde já, uma das melhores surpresas de 2016. Daquelas que, mais uma vez, vai te fazer devorar todos os episódios rapidamente e, quando menos esperar, já estar contando os minutos pra ver a próxima temporada.