Filmes baseados em videogames são um problema para se transpor. E um dos principais motivos para isso é que, quando uma franquia é transportada para uma mídia diferente – cinema, no caso – ela precisa atender duas expectativas diferentes: ser um bom filme e ser uma boa adaptação. Consequentemente, também precisa agradar dois tipos de públicos ao mesmo tempo: os fãs de jogos e os de cinema. Enquanto o cinema de quadrinhos vai melhor do que nunca em uma era de universos compartilhados, personagens underground ganhando a luz do dia e uma variedade de gêneros que compreende a separação intertextual: o que funciona em uma mídia não necessariamente funcionará em outra.
Bom,um dos maiores e mais bem-sucedido jogo de vídeo-game agora possui adaptação cinematográfica: Assassin’s Creed. O filme usa as referências do famoso jogo da Ubisolft, mas faz uma trama original para atrair os não chegados a série,mas a resposta é: Será que deu certo? Vejamos abaixo.
A trama adapta o universo dos games da Ubisoft (que também serve como produtora do longa), apresentando-nos a Callum Lynch (Michael Fassbender), um condenado à morte que acaba raptado pela nebulosa corporação Abstergo. Lá, ele descobre ser descendente de Aguilar, que fora membro da sociedade secreta do Credo dos Assassinos, na Espanha de 1492. Através da máquina Animus, Callum é capaz de acessar as memórias de seu ancestral graças à linhagem em seu DNA, com o intuito de encontrar um poderoso objeto de desejo da Abstergo: a Maçã do Éden, que contém a chave do livre arbítrio e é disputada pelos malignos Templários.
O roteiro de Michael Lesslie, Adam Cooper e Bill Collage não consegue desenvolver com clareza todas as camadas e núcleos que envolvem o universo da trama e por isso, pode para alguns, dificultar no entendimento da história, provavelmente tentando evitar o embaraçamento de seções dedicadas à exposição – introduzir o protagonista e o espectador às regras do universo e seu funcionamento – o trio simplesmente nos joga naquele universo de qualquer forma, sem ao menos tentar fazer o espectador compreender o que acontece. E aquela que seria a porção mais interessante da história, a viagem ao passado(que interessante ao colocar todos seus diálogos em espanhol), acaba praticamente ganhando pouco tempo e dá espaço ao núcleo infinitamente inferior das instalações da Abstergo, onde diversos furos e inconsistências do roteiro tornam incompreensíveis as intenções e motivações dos personagens: a Dra. Sofia Rikkin (Marion Cotillard) almeja a Maçã para descobrir o “motivo genético” que torna os humanos violentos, enquanto seu pai Alan (Jeremy Irons) aparentemente tem segundas intenções. O clímax acaba com resoluções apressadas e contraditórias para seus protagonistas, especialmente quanto à moral de Sofia.
Mas o roteiro também teve seus acertos, um deles é na composição dos assassinos, que acabam sendo entendidos sem muito dialogo e sim com a suas ações ao longa da narrativa.
O elenco estelar se esforça, mas o roteiro fraco os impede de alcançar algo realmente profundo. Michael Fassbender é um ator incapaz de atuar mal, então tudo o que temos aqui é uma performance carismática, mas sem inspiração ou algo que o diferencie de um piloto automático competente. Sua intensidade e malícia são bem expressas, assim como seu invejável domínio do espanhol e um ou outro momento em que realmente vemos algo especial; como quando um surtado Callum começa a cantar antes de voltar ao Animus. Já Marion Cotillard surge completamente automática, mas não ajuda que os arcos contraditórios de Sofia tornem sua performance tão confusa e esquecível, enquanto Jeremy Irons fornece sua classe e elegância a mais um personagem descartável. E mesmo que não saibamos nada sobre sua personagem, Ariane Labed consegue ter uma presença exótica forte e memorável como uma das Assassinas na Espanha, mas nada realmente digno de uma grande atuação.
Ao menos, o diretor Justin Kurzel fez um bom trabalho ao levar a ação dos jogos às telonas. Descartar a cadeira de Animus e substituí-la por um braço mecânico dinâmico faz muito mais sentido e permite a Fassbender se mover no mundo real enquanto está imerso na realidade virtual. As tais cenas ganham um ar empolgante graças a excelente trilha sonora de Jed Kurzel, que é feliz em seu uso de cordas abafadas e a leve inspiração no trabalho de Hans Zimmer.
As sequências durante a Inquisição espanhola são bem feitas, o maior destaque com certeza é a bela fotografia: iluminações perfeitas que realmente realçam o caráter heroico das cenas, as sombras e contrastes de uma Espanha do período Inquisitivo fazem o local ser característico pela torpeza desde o início da civilização, colocando, inclusive, a religião no seu centro. O que é de se louvar até certo ponto, já que a representação de uma corrompida Igreja Católica naquela época condiz com a sua realidade histórica, ao mesmo tempo em que faz uma denúncia ao desejo de poder que parece transcender a história da humanidade.
No mais, Assassins’s Creed não merece toda essa aversão que ocorreu nos EUA. Não é um filme excelente, mas também não se pode dizer que é ruim. Um longa caprichado em seu visual e que funciona como um filme de ação. Mas como adaptação de game, não teve seu potencial explorado com eficiência.