O cinema norte-americano tem um padrão curioso – e, por vezes, controverso – de transformar histórias estrangeiras em remakes envernizados para o grande público. Na tentativa de expandir debates universais com estética própria, muitas dessas adaptações acabam perdendo a alma do original. Em Confinado (2025), remake do thriller argentino 4×4, a proposta até parece ambiciosa: discutir temas sociais urgentes como desigualdade, miséria urbana, violência estrutural e a crise das metrópoles modernas. Mas o resultado é uma obra que, apesar de iniciar com tensão e crítica, acaba se perdendo em discursos expositivos e uma execução repetitiva.
Na fria e cinzenta Los Angeles, Eddie (Bill Skarsgård), um homem desempregado, endividado e desesperado, se vê encurralado. Após não conseguir consertar sua van — essencial para qualquer tentativa de reerguimento — e frustrado por mais um conflito familiar com a ex-esposa e a filha que mal consegue visitar, ele toma uma decisão impulsiva: tentar furtar algo de valor em um carro luxuoso destrancado. Mas o que parecia um golpe de sorte vira armadilha. Preso dentro do veículo – que se revela uma cela móvel de alta tecnologia –, Eddie passa a ser vigiado e controlado por William (Anthony Hopkins), um milionário recluso que o transforma em peça de um jogo moral e psicológico perverso.

David Yarovesky, que dirige o longa, inicia com boas sacadas. A câmera explora com eficácia a claustrofobia do interior do carro. Os momentos iniciais são tensos e carregados de expectativa. A ambientação urbana, pontuada por cenas de miséria e vício nas ruas, é impactante e casa bem com a proposta crítica.
Porém, o ritmo logo se torna repetitivo. O segundo ato se arrasta em um ciclo de tortura psicológica, monólogos moralistas e uma tensão que se esvazia à medida que o espectador percebe que não há nada novo a ser revelado. O roteiro, assinado por Michael Arlen Ross em colaboração com os criadores argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat, tenta equilibrar o thriller com uma crítica social, mas não consegue aprofundar nenhum dos dois caminhos. O debate entre opressor e oprimido vira uma caricatura de “homem rico com consciência social tóxica” versus “pobre coitado que só precisa de uma chance”.

O terceiro ato beira o absurdo: o carro — até então símbolo do encarceramento urbano — se transforma em uma arma, usando um conceito mal explorado de carro autônomo. A metáfora, que poderia ser potente, se dissolve em um exagero visual que destoa completamente do tom estabelecido.
Bill Skarsgård é o maior trunfo do filme. Sua performance transmite, com precisão, a degradação física e emocional de um homem encurralado pelo sistema e por suas próprias escolhas. Seu Eddie é patético, humano, falho – e por isso tão crível. Ele carrega o filme nas costas, mesmo quando o roteiro exige pouco além de desespero e suor.
Anthony Hopkins, por sua vez, empresta sua aura imponente à voz de William, o algoz invisível da história. Durante boa parte do filme, sua presença é apenas vocal, o que confere um ar misterioso à figura. Porém, quando finalmente aparece em carne e osso, a força simbólica de sua personagem se esvai. A encarnação do opressor, que funcionava bem na abstração, vira um discurso ambulante – e raso.

Ao tentar ser um Por um Fio com crítica social, Confinado falha justamente por não entender a força da simplicidade. O que poderia ser um curta de impacto vira um longa que se estende além do necessário. A tentativa de discutir desigualdade, vigilância, meritocracia e justiça falha porque o filme recorre a soluções fáceis e personagens que não evoluem — são arquétipos sem densidade.
Pra finalizar, Confinado é mais um exemplo do vício hollywoodiano em transformar bons conceitos estrangeiros em produtos genéricos. Apesar da premissa promissora e de uma atuação sólida de Skarsgård, o longa se perde em sua pretensão de ser profundo sem ter o estofo necessário. É um thriller que promete muito mais do que entrega, preso entre a crítica social e o espetáculo, sem se comprometer verdadeiramente com nenhum. A prisão mais cruel aqui não é a do carro, mas a do próprio roteiro.