A gente tem o costume de ver filmes como forma de escape da realidade, como uma maneira de vivenciar algo improvável ou impossível. Nos acostumamos com certas estruturas fílmicas feitas para provocar momentos catárticos carregados de emoção. Mas esse é apenas o modelo mais popular de consumir audiovisual. Existem filmes que se propõem a ser um retrato mais fiel da realidade, uma amostra do cotidiano, uma reprodução dos detalhes da vida. Tem muita gente que não gosta de filmes assim, porque “não acontece nada”. Mas é apenas uma outra maneira de provocar reflexão e evocar emoções e sentimentos através de uma linguagem mais poética e menos dramática.
Benzinho é um desses filmes. Muito realista, focado nos conflitos internos dos personagens e cheio de ternura ao retratar uma mãe prestes a ver seu filho mais velho se mudar para a Alemanha para jogar handebol. É a história dessa mãe, Irene, mas também é uma história familiar. O marido, a irmã, os filhos, todos fazem parte de uma teia de relações apresentadas através de cenas lindas do cotidiano familiar, trazendo ao filme um apelo universal. Prova disso é que o longa foi muito bem no exterior, participou de diversos festivais, incluindo Sundance, e já foi vendido para mais de 20 países.
O realismo do filme é explicado de certa forma por alguns fatos: a protagonista, Karine Teles, e o diretor, Gustavo Pizzi, foram casados por 11 anos. Além disso, os atores que interpretam os gêmeos, filhos pequenos de Irene, são filhos do casal na vida real. Isso de fato deve ter ajudado na interpretação de Karine, mas a verdade é que a presença dela na tela é uma coisa assombrosa. Assombrosa de tão impecável. Cada close em seu rosto traz um misto de emoções, um domínio da atuação, algo que só uma atriz muito afiada com o personagem poderia fazer. Cada cena, cada gesto, cada olhar é significativo. Lembrando que Karine interpretou a patroa burguesa de Que Horas Ela Volta? e agora faz um papel bem diferente na pele da mãe de classe média baixa preocupada com a família, empenhada em terminar os estudos e lutando para ganhar dinheiro com seu trabalho de vendedora informal. Uma variação que mostra a qualidade e talento da atriz. Adriana Esteves e Otávio Müller também estão ótimos como a irmã e o marido de Irene.
Ao final dos 97 minutos de filme, fica um retrato enxuto, sensível e doce sobre uma família em mudança, lutando para lidar com a crise econômica e com a criação dos filhos. Em especial, é a história dessa mãe sobrecarregada que precisa deixar o filho partir e tem que lidar com esse sentimento agridoce. Olhando de forma mais ampla, fica um olhar sincero sobre uma classe social que diz muito também sobre a situação do país. Sem pesar a mão no melodrama e sem banalizar os sentimentos dos personagens, Benzinho é um belo filme, feito para mães e filhos, pais e avós.