Bandersnatch mal estreou e já está gerando inúmeras discussões nas redes sociais, fóruns e sites pelo mundo. Adicionado hoje (28) ao catálogo da Netflix, o filme faz parte do universo da série Black Mirror, amplamente conhecida pelo público que consome o serviço de streaming por trazer diversas narrativas conflituosas sobre o comportamento humano aliado ao uso de novas tecnologias.
Após quatro temporadas, a novidade da estréia consiste na construção de um conteúdo interativo, o primeiro voltado para adultos na plataforma. O conceito parte da ideia de que as ações tomadas pelos personagens, em alguns momentos do filme, podem ser determinadas por quem assiste, mudando o rumo da narrativa e moldando um desfecho para esse conjunto de escolhas.
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A experiência de interação se dá quase como um jogo (se assemelhando ao Life is Strange, da Square Enix), o que não deixa de ser coerente, já que a construção de jogos fazem parte narrativa, assim como as dúvidas e questionamentos acerca do livre arbítrio, nos levando a pensar em alguns momentos se as escolhas que fazemos ao longo do filme realmente nos levam a rumos diferentes, ou se somos guiados para um mesmo caminho, tendo apenas a ilusão de escolha¹.
No longa, Stefan (Fionn Whitehead) é um jovem programador obcecado pelo livro interativo Bandersnatch, e pelos conceitos e questionamentos sobre o livre-arbítrio levantados pelo seu controverso autor, conhecido por enlouquecer e assassinar sua esposa. Decidido a desenvolver um jogo baseado no conteúdo do livro, o jovem, que passa por acompanhamento psicológico, vai até uma empresa do seguimento para apresentar sua proposta. A partir desse momento as decisões tomadas pelo espectador se tornam cada vez mais importantes para o desenvolvimento da trama.
O filme se passa nos anos 80 e surfa na onda de nostalgia desta década constantemente representada em produtos do serviço de streaming, e de algumas recentes produções voltadas para o consumo na cultura pop fora dele.
Mais uma vez, o conteúdo do universo Black Mirror traz uma abordagem desesperançosa, repleta de tensões psicológicas e de um constante medo gerado pela sensação de estar fora do controle², ou de ter alguém/algo controlando sua vida. O grande diferencial em relação ao que foi produzido antes reside em protagonismo não de uma tecnologia usada pelos personagens da história, mas na que usamos para decidir o seu rumo, a qual é muito bem aproveitada nos momentos de tensão gerados pela desconfiança do protagonista sobre seu livre-arbítrio, já que somos nós quem o privamos.
Quanto mais escolhas fazemos e voltamos para a história após o seu primeiro desfecho, mais se perde o nexo em seus acontecimentos e novas teorias se apresentam dentro do filme para explicar seus próprios eventos. Os acontecimentos da trama são bem explicitados e mais simples (quando distanciados da relação de interatividade), talvez as incansáveis teorias de fãs e interpretações se foquem mais em easter eggs e na relação com episódios anteriores.
Bandersnatch é pontapé inicial da Netflix para o desenvolvimento de conteúdos desse seguimento, suas possibilidades não se esgotam em si, elas abrem caminhos para a experimentação e produção de novos produtos do entretenimento³, questionando inclusive a sua própria natureza. É praticamente impossível que a estréia não repercuta nas reflexões sobre seu consumo, assim como nas novas interpretações e teorias conspiratórias que sempre envolvem as histórias do universo Black Mirror.
ALERTA DE SPOILER
Alguns comentários
¹ Me questionei se as escolhas que eu fazia eram realmente importantes para o desfecho da trama, já que quando algo dava muito errado eu era levada ao começo para escolher novamente entre as mesmas opções. Ainda mais quando em um dos finais alternativos, onde o Stefan consegue terminar o jogo e ter uma boa crítica, ele diz que a solução para o sucesso foi cortar opções e dar apenas a ilusão de que os jogadores tinham poder de escolha para mudar algo (conduzindo os indivíduos à decidirem entre opções não tão relevantes para um final que ele já tinha determinado – como o próprio filme?). O que não deixa de ser verdade, já que mesmo com a existência de novos acontecimento, as possibilidades de combinações não são infinitas, são limitadas ao número de cenas escritas e filmadas ou a produção teria um trabalho de filmagem interminável para atender essa demanda.
² É um momento um tanto quanto estranho e que traz um certa satisfação quando vemos o protagonista angustiado, sobre o controle das sua ações sobre seu corpo, e percebemos que ele está se referindo às escolhas q fizemos por ele, dando a sensação de que ele é um alguém preso em uma narrativa controlada por nós. Inclusive, existe um momento onde podemos contar que ele faz parte de uma série da Netflix.
Além disso, a sensação de confusão perda de controle sobre sua história trazida no filme também esteve presente no episódio White Bear, da segunda temporada. E se vocês puderam notar, o simbolo do episódio esteve presente no longa, remetendo a escolha de caminhos em diferentes realidades daquele contexto (como nas repetições diárias controladas sofridas pela protagonista de White Bear na prisão), como se a realidade de Stefan estivesse sendo controlada pela mesma entidade.
³ Em uma das cenas mais surreais, após descobrir que faz parte de um conteúdo de entretenimento streaming, o protagonista discute com sua terapeuta, que o questiona se uma história com uma situação de problemática e pessimista como aquela poderia ser vista como entretenimento por alguém, já que ela também não teria nenhum tipo de ação. Isso talvez nos fassa refletir sobre o tipo de conteúdo que consumimos hoje como entretenimento.
Depois dessa cena podemos escolher fazer os personagens lutarem, só pela ação mesmo.
Bonus *Além do símbolo de White Bear, podermos ver cartazes de Metalhead, que na história faz parte de um dos jogos da empresa do filme, que, aliás, tem o cenário muito parecido com a empresa dos jogos de Robert Daly (Jesse Plemons), de U.S.S. Callister, da quarta temporada.
**Também existem cartazes com temática espacial no quarto de Stefan, que remetem à U.S.S. Callister.
***Em 1984, um jogo com o mesmo nome do filme também deveria ser lançado pela Imagine Software UK, mas isso nunca aconteceu.
****Bandersnatch também é uma criatura do livro Alice no País das Maravilhas (1872).