Desde de seu primeiro momento Bela Vingança nos prepara para o que vai ser uma dura sequencia no seu espectador atento ou não. Não há como não sair reflexivo de tudo que se viu e acompanhou durante a sessão e é essa a decisão por trás da mente de sua realizadora, a diretora estreante Emerald Fennell.
O longa mostra Carey Mulligan vivendo Cassandra “Cassie” Thomas, uma jovem promissora mulher(como o titulo original diz) que, em razão de trauma passado, largou a faculdade de medicina e começou a trabalhar em uma cafeteria, visitando bares e boates nos finais de semana fingindo-se bêbada para atrair homens que se aproveitam desse estado em mulheres para estuprá-las e dando uma “lição” nesses predadores.
Por essa sinopse não é estranho imaginar que Bela Vingança se trata de um terror bem naquele estilo de A Vingança de Jennifer e seu remake Doce Vingança, as continuações e até o recente Vingança. E se a sinopse já sugere essa associação, o titulo BR trata de completar. Na verdade até fica claro para mim que o filme quer que o espectador inicia jornada com tais falsas expectativas, pois a própria narrativa trata de alimentá-las, depois subverte-las. Quando o filme começa a protagonista já surge em atividade em uma de suas armadilhas, mas quando chega o momento do confronto tem um corte seco e em seguida ela já aparece caminhando com uma mancha vermelha na perna.
O poder da sugestão que a promissora roteirista e diretora estreante pisca para a gente, comunica que sabe muito bem o que a gente tá pensando, sabe muito bem o que a gente tá esperando, mas não está disposta a entregar mais uma vingança como a gente já viu nos outros filmes mencionados. Uma omissão eficiente para o filme ter o publico nas mãos enquanto faz apresentação básica da protagonista, e o que ela faz para viver.
A Cassandra a protagonista nos conduz através de vários aspectos da vingança, o aspecto empolgante o qual a maioria dos filmes de ação se baseia para ser querida, tem um aspecto perturbador que consegue deixar o espectador enojado e comprando a ideia da vítima e finalmente o aspecto doloroso pouco explorado nos filmes que usa a vingança para fazer a sua história, esse último definitivamente o mais interessante por ser um pouco inédito. E aí faz o texto da Emerald Fennell cresce muito.
Quando pensamos que tudo está indo por um caminho específico, o filme toma guinadas, guinadas essas muito certas para juntar todos os três aspectos em um só e deixar o espectador a partir da sua subjetividade, decidir o aspecto mais dominante da trama.
A Carey Mulligan aqui é absolutamente gigante, pelo o fato de conseguir ser uma mulher mirrada e singela e ao mesmo tempo uma mulher forte ao falar a respeito de algo que tem muita certeza, a coloca em um espectro importantíssimo para o roteiro brilhar. Depois de ver lá nesse papel é muito difícil pensar em uma outra atriz para a personagem e a diretora tanto sabia que ela parece ter escrito muitas situações pensando em como a Carey consegue ser várias coisas ao mesmo tempo e aqui cabe um ponto a ser debatido, em algumas a cenas atriz parece tornar sua personagem pouco crível como se não fizesse parte daquilo que está acontecendo. Eu não entendo como erro, pois ao interpretar o filme a partir da ideia proposta que talvez ela realmente não pertence aquilo porque quer, mais porque foi levada a querer, faz sentido atuação às vezes um pouco deslocada.
A diretora tem total controle sobre o filme, é impressionante, em um dado momento em vez de mostrar uma cena super traumática de maneira apelativa, mostra no som e na atuação da protagonista sabendo o que vem a ser e aí sim precisa apelar para escancarar o que está acontecendo. Lá o áudio foi bastante, em outra cena o áudio não é o bastante e ai precisamos ver e sentir o que está acontecendo, a atriz e agora diretora e roteirista consegue em uma cena entregar drama, atenção e asco, tudo ao mesmo tempo, em outro momento constrói uma fantasia para sua protagonista que explora ao traços do arquétipo da manic pixie dream girl, a personagem machista disfarçada de “garota ideal”, um arquétipo já bem utilizado, mas que principalmente no começo dos anos 2000 fez muito sucesso como por exemplo 500 Dias Com Ela no caso com a Zoey Deschanel e que para os homens acaba sendo arquétipo atrativo, mas depois de ter recebido parte importante de seu passado não tem como atrelar mais a esses aspectos a qualquer sentimento bom, com certeza para mim e acho que demais mulheres tem um outro sentimento.
Saltamos de um gênero para o outro, do drama para comédia, da comédia para o suspense e algumas vezes do suspense para digamos algum pouco parecido com a ação, digamos mais para da vingança! Saltar entre os gêneros nos deixam um pouco perdido sobre como devemos nos sentir a respeito do que estamos vendo, e é justamente esse o desejo da diretora e da roteirista, às vezes por mais que estejamos em uma cena dramática, ela entrega um homem fazendo ou dizendo coisas que podem fazer rir como por exemplo sendo que um dos digamos problemas de Cassandra está algemado a uma cama chorando e se debatendo na segunda camada do plano para tentar a saída ali daquela cama, depois como se nada engraçado tivesse acontecido o clímax é cruelmente dilacerador, como estava a mente de Cassie naquele momento ou durante todo o filme? Quem sabe, e digo mais a fotografia apesar de simples, não dá ponto sem nó, Cassandra sempre está centralizada quando seus pensamentos também estão centrados no seu objetivo principal, quando está se fazendo de bêbada, a fotografia a joga para os cantos e perde a simetria.
Não há aqui uma forte influência na narrativa, mas rever o filme a partir disso mostra mais uma vez o incrível domínio de todos os aspectos subjetivos do filme pela sua realizadora, transformando Bela Vingança um projeto extremamente pessoal, intenso e de certa forma diferente.
A forma como ela trabalha o som e as vezes a ausência dele é muito corajoso e é um primor, nem sempre precisamos escutar para sentir, assim como nem sempre precisamos ver para sabermos o que aconteceu de fato. muito impactante, Bela Vingança, sabe o momento certo de socar o espectador e também deixa-lo respirar. Utilizando ótimas releituras de Toxic, da Britney Spears e It’s Raining Men, o longa destila todos os signos que representam dores diárias das mulheres desde mandar mensagem para amiga quando pega o Uber até ter sempre um plano b para quando as coisas darem errado ou parecerem dar errado, enfim tememos por Cassandra o tempo inteiro, mas também vibramos com o que ela pode fazer às vezes, como ela mesma diz para uma personagem, as vezes é preciso sentir o pisão no próprio pé para saber que um pisão no pé simplesmente dói.
Apesar do título nacional querer se associar esses primos violentos e rasos, Bela Vingança vai muito além da compreensão do tema, na propriedade da premissa, no desenvolvimento da problemática de sua mensagem que pode te deixar refletindo por horas depois que acabar.