Bacurau mostra a originalidade e qualidade do cinema brasileiro

Lívia Patrícia
6 Min de Leitura

Imaginem algo entre distopia, realismo fantástico e western. Imaginaram? Bom, acho que esse é um começo para se entender Bacurau, filme dirigido por Kleber Mendonça Filho e Júlio Dornelles que estreia no dia 29 de julho (quinta-feira).

A trama se passa na pequena cidade de Bacurau, no interior de Pernambuco. Mesmo sem dar muitas explicações, somos colocados diante do primeiro evento que irá mudar a rotina da cidade: o falecimento de Carmelita (Lia de Itamaracá), a matriarca de Bacurau, através da chegada de Teresa (Bárbara Colen), que leva remédios e conversa sobre o problema da água na região, a procura das autoridades por Lunga (Silvero Pereira) e os caixões postos na beira da estrada. De forma natural, a equipe conseguiu mostrar a forte cultura local e cooperação entre os moradores, sem perder a ligação com o mundo exterior através das tecnologias.

Um dos pontos mais impactantes do filme é o que pode ser lido através dos diversos símbolos utilizados. Sem caricaturar as pessoas pobres, nordestinas, LGBTs e diversos outros grupos que muitas vezes sofrem com representações estereotipadas a obra conseguiu tocar em temas importantes no atual cenário político. E o que me deixou martelando em minha cabeça foram pensamentos como: Quem são as pessoas cuja morte não importa?; É lindo como o poder de uma comunidade unida pode ecoar; Para quem os nossos governantes estão trabalhando? Etc.

A equipe conseguiu articular muito bem situações já conhecidas da vida brasileira e da linguagem cinematográfica das distopias, filmes de bang bang, ficções científicas e realismos fantásticos para criar algo muito original e que fala por si só.

As atuações foram, para mim, um dos pontos mais marcantes de Bacurau. Sônia Braga, no papel da médica Damiana, deu um banho de atuação (como já esperado), mas todos do elenco, mesmo os figurantes, estavam bem preparados. Mesmo que não tenha acontecido nenhum mergulho em um único personagem, todas as atuações conseguiram mostrar a individualidade dos moradores de Bacurau e as características deles enquanto grupo. Nesse aspecto, uma das melhores sequências para se perceber isso é a da chegada de Teresa até o sepultamento de Carmelita (bem no início do filme).

 

Do núcleo de estrangeiros, Udo Kier, ator alemão que já participou de filmes como Melancolia (2011) e Bastardos Inglórios (2009), foi um dos expoentes e pareceu um ponto de estabilidade entre os atores menos conhecidos. Nos poucos minutos em que ele e Sonia Braga contracenaram, foram postos diversos pontos chave para se pensar o filme.

Assim como em outros filmes de Kleber Mendonça Filho, a trilha sonora é muito bem selecionada. Em Bacurau nós podemos ouvir Gal Costa, Geraldo Vandré e John Carpenter e em diversos momentos as todas as músicas parecem ter sido compostas especialmente para o filme, como a Bichos da noite de “O coronel de macambira”, de Sérgio Ricardo, que toca durante o enterro de Carmelita.

REPERCUSSÕES E PREMIAÇÕES

Um dia antes da sua estreia, Bacurau estava na disputa para ser indicado ao filme brasileiro que poderia concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional (novo nome da categoria de Melhor Filme estrangeiro), mas o escolhido foi A vida Invisível, dirigido por Karin Aïnouz, filme que também participou e venceu em Cannes pela categoria “Um certo Olhar”.

Ainda assim, Bacurau não deixa de ter uma boa repercussão e conquistas, sendo ele o vencedor do Prêmio do Juri no mesmo festival. Já não é a primeira vez que a junção de Kléber Mendonça Filho, Sônia Braga e Juliano Dornelles rende bons frutos. O filme Aquarius (2016) também foi um dos mais cotados para representar o Brasil na disputa pelo Oscar, mas acabou sendo perdendo para Pequeno Segredo, dirigido por David Schurmann e que acabou não chegando a concorrer na última fase (o Oscar propriamente dito). Um outro paralelo que pode ser feito com Aquarius é o forte engajamento político da equipe. Em 2016, durante o golpe, e em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro e as ameaças à Ancine e às minorias, os atores levaram suas manifestações para o tapete de Cannes e chamaram a atenção do mundo para a política Brasileira.

Ainda assim, Bacurau é um ótimo exemplo da qualidade do cinema brasileiro e da possibilidade de se contar histórias que toquem a todos sem abrir mão da identificação local. É uma obra que em, alguma medida, todos que assistirem vão aproveitar de alguma forma (gostando ou não). Um bom programa para começar o fim de semana, já que o filme estreia hoje, 29 de Agosto (quinta-feira), em todo o Brasil.

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Lívia é estudante do bacharelado interdisciplinar artes, bailarina e uma curiosa nata, não é a toa que tenha se atraído pelo mundo da literatura e dos filmes. No Cinesia escreve justamente sobre uma dessas paixões: livros
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