Quem conferiu o filme “Atômica”(2017) do diretor David Leitch tem um bom motivo para procurar de onde veio a ideia da espiã veterana em um território sórdido como Berlim no ano 1989 (período da Guerra Fria) com o intuito de investigar o assassinato de um oficial e recuperar uma lista perdida de agentes duplos. Lançada originalmente em 2012, a graphic novel “Atômica: A Cidade Mais Fria” do autor britânico Antony Johnston finalmente chega em solo brasileiro com a qualidade da editora Darkside Books. Com as ilustrações do artista Sam Hart será difícil esquecer esse volume único.
Tudo em preto e branco. A viagem começa de maneira fúnebre, já que a morte é o estopim que envolverá toda a trama. Além disso, o muro que dividiu a Alemanha está prestes a cair e com ele a União Soviética, mas qual a relação de ambos os acontecimentos? Como todo romance policial com diversos elementos sci-fi, tudo é um segredo a ser (muito bem) revelado. É nesse momento obscuro que entra Lorraine Broughton, agente secreta fria e calculista que foi designada para essa missão que colocará em suas mãos mais do que a reputação da organização na qual ela está inserida, mas todos os agentes infiltrados em outras agências secretas pelo mundo.
A personagem é bem construída no decorrer da leitura, que dá a entender que ela é uma mulher firme em uma ambientação hostil para esse temperamento. Fica claro o preconceito e machismo de todas as partes, até mesmo de alguns de seus aliados da MI6 (Military Intelligence: Section 6, também conhecido como Secret Intelligence Service) de Londres. Com boas sequências de ação é até uma leitura rápida e sem muitos problemas, a não ser para as frases em alemão, mas calma! No final do livro se encontra o Apêndice que traduz todas as expressões que, considerando o total de 176 páginas não são muitas.
Seu desfecho é semelhante ao do filme, entretanto ele guardará mais emoção por se tratar de uma obra que não é consumida de forma imediata como o cinema. A experiência de Johnston é resultado de anos de criação, como roteiro de games (“Dead Space”), episódios de séries (“Punho de Ferro” da Netflix) e é claro, por HQs (“Daredevil: Cage Match”) que trazem sua paixão por heróis em vida dupla. O desejo de sequência fica no ar, mas o conteúdo se mostra bastante suficiente e apesar de ter sido lançado atualmente aparenta ser definitivo. Algumas lições com certeza aprendemos com Lorraine, e uma delas é não confiar em ninguém.
Por último, mas não menos importante. Abusando de um estilo mais clássico em sua arte, o anglo-brasileiro Sam Hart tem o dom de fazer uma obra de 2012 parecer que foi lançada logo após os acontecimentos da trama, se fosse baseada em fatos reais (e não é). Ainda assim, por ser em preto & branco é possível que muitos leitores achem algo um tanto simples demais para traços que nem sempre agradam o público que espera cores vibrantes e linhas arredondadas quase atingindo o fotorrealismo. Outro ponto curioso está na falta de censura quando se trata de xingamentos. Por ter uma identidade própria será melhor ver um pouco das gravuras antes de adquirir esse material.
Como sempre a Darkside não economiza quando se trata de um bom acabamento e histórias intensas para seus leitores (ou melhor dizendo “colecionadores”). O selo Darkside Graphic Novel é uma ótima iniciativa que ainda possui muito para crescer, já que apenas dispõe de 6 obras (incluindo o mangá “Fragmentos do Horror” de Junji Ito) que dificilmente veriamos por aqui em uma boa edição de capa dura e com seu lançamento próximo ao do filme, como foi o caso de “Atômica” que contou com Charlize Theron (“Mad Max: Estrada da Fúria”) no elenco. Boas sequências, bom elenco, e é claro uma boa história de uma memorável HQ. Melhor impossível!