De todos os super-heróis, Aquaman sempre era lembrado como motivo de piadas, por incluir no seu rol de habilidades falar com golfinhos e ter um penteado maneiro. Encarcerado nesse visual de surfista colorido, não marcava uma presença imponente como outros personagens, tais como Superman, Batman ou Mulher-Maravilha. Tentando reconfigurar esse personagem, os estúdios Warner Bros trouxeram para as telas um Aquaman bem diferente, estilizado na força bruta e tornando legais as habilidades antes vistas como risíveis. O protagonista é interpretado por Jason Momoa, o eterno Khal Drogo, de Game of Thrones.
Vale ressaltar que este não é um filme sobre a origem do herói, mostrando brevemente por meio de flashbacks como ele aprendeu a dominar seus poderes e seguindo com a problemática central que carreia a história. Desde o princípio conseguimos perceber que a produção trouxe algo contrário ao que vinha sendo estipulado pelo Universo DC, deixando de lado o caráter sombrio e trazendo cores, piadas e leveza ao filme.
A princípio vemos o encontro entre os pais de Arthur Curry, o Aquaman. Sua mãe é a Rainha de Atlantis, Atlanna (interpretada por Nicole Kidman), a qual fora prometida em casamento para o rei de Atlantis, mas acaba por se apaixonar por um mortal, um faroleiro e pescador chamado Thomas Curry, com quem tem um filho mestiço. Logo no início, ela é forçada a deixar sua família para protegê-los da ameaça do exército real, que a persegue tentando trazê-la de volta à Atlantis. Seguimos acompanhando a trajetória do príncipe dos mares, o primogênito com direito a herdar o trono do mundo submarino, aprendendo a lidar desde cedo com poderes únicos, tais como força sobre-humana, falar com animais marinhos e respirar sob a água. Vemos seu desenvolvimento até tornar-se um relutante herói, que rejeita a responsabilidade de ser um ícone salvador dos mais fracos.
Porém, existem tensões entre o mundo subaquático e o terrestre, que indicam a iminência de uma guerra, incitada principalmente por Orm (Patrick Wilson), irmão de Arthur, gerado do casamento de Atlanna com o rei de Atlantis, que também almeja o trono real. Aquaman recebe uma visita de Mera (Amber Heard), que o alerta sobre a possibilidade desta guerra que acarretará na morte de bilhões de pessoas, algo que só pode ser evitado se ele pleitear o trono de Atlantis, como lhe é de direito.
Jason Momoa entrega um herói bastante controverso, com algumas lacunas morais. Alguém com uma autoconfiança tamanha que poderia ser chamada de arrogância. Em termos comparativos, equivale ao Thor da Marvel, até pela sinergia entre ele e seu par romântico, a Mera, que assim como a Jane (interpretada por Natalie Portman, que contracena com o Thor), representa o cérebro da dupla, enquanto o outro é apenas a força física e alguém imbuído dos direitos sanguíneos de se tornar um regente. A mesma fórmula repetida em diversos filmes é o que encontramos em Aquaman. Um herói com o coração no lugar, mas com uma prepotência inigualável. O arco do personagem se configura nessa reconstrução da moralidade e a velha ideia do herói que não se vê digno de tal alcunha, duvidando de si mesmo, até que se dobra à tarefa nobre de salvar a humanidade quando vê os humanos ameaçados.
Acho que o que todos esperavam pra ver era a forma como as cenas decorreriam num cenário subaquático. James Wan conseguiu imprimir a sensação de estarmos submersos, com uma sonoplastia abafada e lentidão nos movimentos. É notável o trabalho de direção e efeitos especiais que cingem uma bela fotografia. O contraste da escuridão reinante sob as águas, com a bioluminescência dos seres que lá habitam, criam uma atmosfera futurística, com nuances de rusticidade, muito similar ao que vimos há anos atrás no desenho “Atlantis: O Reino Perdido”.
Dentre os filmes da DC, esse, definitivamente, se destaca um patamar acima, se equivalendo ao da “Mulher Maravilha” em termos gerais de qualidade. Aquaman não possui um roteiro inovador ou meramente atraente, atendo-se à uma história bem confortável sem ambições. Apesar de permanecer raso no texto, consegue compensar em outros aspectos, nos provendo de boas cenas de luta e uma riqueza visual diferenciada, principalmente pelo lugar onde se passa a história, o que permite explorar recursos visuais pouco vistos anteriormente nos cinemas. É possível ver que ainda deixa à desejar em termos visuais, com umas cenas pouco fluidas e computações gráficas visíveis, o que desagrada em alguns momentos. Mas devemos ter em mente que estes são apenas os primeiros passos na tentativa de representar essa ambientação, que requer um intenso trabalho gráfico e poucos efeitos práticos, dificultando um maior realismo. Apesar de tudo, é um belo trabalho de direção, com cenas que cativam os olhos e divertem pela dinamicidade das lutas.
O roteiro é simplório, com um vilão pouco desenvolvido e justificativas rasas. Mas algo já esperado nestas adaptações sobre heróis, que sempre pecam por apresentarem um arquétipo de história já tão revisitado. O vilão Arraia Negra (Yayha Abdul Mateen II) é apresentado como uma ameaça que não se concretiza, ficando solto na história e pouco aproveitado. O vilão Orm, irmão do Aquaman, é o clássico vilão dominado pela ira cega, com delírios de grandeza, que quer incondicionalmente destruir o herói. É difícil identificar-se e compreender ele, ficando muito fácil colocá-lo nesta condição de antagonista.
Assim, o longa é construído em clichês, com cenas que já vimos inúmeras vezes, frases de efeito rebatidas e uma trilha sonora simplória que conduz nossas emoções todo o tempo nos dizendo quando chorar, rir ou sentir tensão. Contudo, mesmo sendo bastante caricatural, não é um filme ruim. Pelo contrário. Apesar de ter uma longa duração, quase não sentimos o tempo passar, pois nos diverte pela leveza como é apresentado. O cerne da história definitivamente não é o roteiro ou as atuações, mas, sim, a parte visual, que nos entretém por ser algo novo. A dinâmica entre os personagens, os diálogos, são bem previsíveis, mas ainda satisfatórios. A Amber Heard e Jason Momoa mostram um entrosamento divertido em tela, com interações marcadas por sarcasmo e piadas pontuais.
Um filme com potencial de se superar nos próximos e explorar o que ficou latente neste. É notável que não saiu da zona de conforto, repetindo o demarcado gênero dos super-heróis, sem inovar ou ousar. Ainda assim, vale a pena conferir, pois é uma ótima diversão.