Mighty No. 9 surgiu no financiamentos colaborativos com a promessa de resgatar os bons tempos dos games de plataforma, sendo um “sucessor espiritual” para Mega Man, já que seu projeto era encabeçado por ninguém menos que Keiji Inafune, um dos criadores do mascote azul da Capcom. Depois de arrecadar US$ 4 milhões do público em seu projeto no Kickstarter, foram inúmeros os adiamentos até o lançamento do game, que foi recebido com uma forte rejeição pela indústria.Mais será que o game merece as críticas duras que tanto se falar?
Mighty No. 9 tem uma premissa até bastante interessante, ainda mais levando-se em conta que Mega Man, o game que ele tenta “suceder espiritualmente”, nunca se focou muito em história. Você joga como Beck, o nono modelo de robôs poderosíssimos com inteligência artificial que ficam malignos e passam a atacar seres humanos. Como o único não afetado e com o maior potencial, cabe a você ser o herói da história e salvar seus “irmãos”. A história é a até legal,mas tem seu potencial desperdiçado por não focar no Beck, o protagonista do game e seus personagens. As pouquíssimas cutscenes e trechos de história perdem muito mais tempo nas ponderações do Dr. White, criador dos robôs, e no alívio cômico que traz mais tristeza do que alegria do Dr. Sanda, fazendo com que o jogador queira mais é pular esses trechos do que acompanhar o enredo. Isso sem falar que todos os personagens aparentemente são copias sem personalidade e carisma da série Mega Man.
Para aqueles que não sabem, o nome original do Mega Man, em japonês, é Rockman. E o “rock” vem de “pedra”, por causa do jogo do “pedra, papel ou tesoura”. O jogo se ancorava tanto em sua premissa de conseguir armas e habilidades de um chefe para usar como o ponto fraco de outro chefe que isso acabou dando o nome ao protagonista do game. Essa mecânica era espetacular em 1987 e continua sendo fenomenal hoje em dia. A melhor parte de Mighty No. 9 é escolher o próximo chefe que você vai enfrentar e ficar imaginando como vai ser ele, quais serão suas habilidades e, claro, que arma vai ganhar ao vencê-lo e em qual outro chefe você deve usá-la.
Além disso temos a novíssima mecânica de absorver inimigos usando o “dash”. Essa habilidade é o principal diferencial em relação a Mega Man e ficou muito bem incorporada. Ela dá uma dinâmica extra ao jogo e faz o jogador manter um ritmo acelerado, especialmente depois que ele vai ficando mais familiarizado ao game e quer fazer boas pontuações, não só passar as fases. Ela também acrescenta uma dificuldade extra aos chefes, já que não basta ficar atirando neles, é necessário também absorvê-los algumas vezes para que eles não se recuperem.
O gameplay é a melhor parte de Mighty No.9, mas, infelizmente, também não é isento de problemas. Como a maior parte dos defeitos do jogo, os problemas que vemos na jogabilidade parecem ter vindo de um desenvolvimento apressado. Os pulos do personagem não têm um controle tão preciso quanto é necessário num jogo assim, algo que era uma marca de qualidade nos Mega Man, e os dashs também muitas vezes ficam desgovernados. Beck também é capaz de se pendurar nas bordas de plataformas e essa mecânica é a pior de todas. Simplesmente não dá pra saber se ele vai conseguir segurar ou não e mesmo depois de horas de jogo é possível cometer um erro tolo de não medir bem a distância da “segurada” e cair num buraco.
No quesito qualidade gráfica,aqui Mighty No. 9 menos brilha. Os gráficos do jogo definitivamente precisavam de mais polimento e, como dito antes, os designs de algumas fases decepcionam muito. Um game indie de plataforma não precisa de gráficos “triplo A”, mas é no capricho que ele tem que brilhar e sinais de desleixo ou pressa realmente pesam negativamente pro título. O laboratório do Dr. Sanda, que funciona como uma espécie de “hub” para se escolher as fases ou desafios é completamente isento de detalhes, vazio e sem graça. A maior parte do cenário é apenas um fundo azul, sem nada. E a tela de seleção de fases, algo sempre empolgante nos Mega Man, ficou sem graça e desinspirada.
O design dos personagens é interessante e variado, mas sofre com a falta de expressividade. Cada um tem um número fixo de expressões que se alterna pra falar e não há nenhuma animação facial, o que acaba com o charme dos diálogos. Que aliás já está sendo sabotado pela dublagem aquém da qualidade que vemos hoje em dia.
As vozes não são das melhores e, em sua maioria, dá pra perceber que é só alguém forçando a própria voz pra soar diferente, o que fica bem triste. Destaque para as exceções do Mighty No. 1, o Pyrogen e o Mighty No. 5, o Battalion, que fizeram um ótimo trabalho, muito acima da média dos colegas.
Na parte da trilha sonora o jogo também deixa a desejar. As músicas do Mega Man eram destaque absoluto na maioria dos títulos, que por si só davam aquela vontade de jogar. Mighty No. 9 tem algumas interessantes, mas no geral nada memorável que chame a atenção, servindo apenas pra ficar ali no fundo, sem atrapalhar nem acrescentar.
Num momento em que a Capcom enterrou Mega Man por um tempo indefinido e Sonic, não está fazendo nada de bom, fica difícil encontrar bons jogos de plataforma desse estilo atualmente. Mighty No.9 é, então, definitivamente “melhor que nada”, mas num bom sentido da expressão. Para quem é muito fã do gênero como eu e está sentindo na pele essa escassez, o game não deixa de ser uma boa alternativa. É verdade que ele poderia (e deveria) ter sido muito melhor, mas continua sendo uma boa dose de diversão com uma quantidade até bem respeitável de conteúdo. E, mais que isso, assim como seu protagonista, Mighty No. 9 mostra MUITO potencial. Se a Comcept aprender sua lição com o desastroso lançamento desse primeiro título e tentar mais uma vez, consertando tantos erros tolos no seu próximo jogo, podemos testemunhar o nascimento de uma ótima nova franquia e finalmente ter um jogo que mereça se intitular o “sucessor espiritual de Mega Man”. Porque essa primeira tentativa com certeza não merece.