Quando rolaram os créditos de Alguma Coisa Assim, minha primeira reação foi pensar que faltava alguma coisa (Como assim já acabou? Termina desse jeito?). Mas esse é aquele tipo de filme que demanda um tempo de reflexão. O tipo de filme que vai terminar de se montar na cabeça de cada espectador. Como os próprios diretores Esmir Filho e Mariana Bastos disseram na coletiva de imprensa, a intenção do filme era levantar perguntas, deixar as coisas mais soltas, com menos rótulos, como a própria relação entre os dois protagonistas. Pois conseguiram, e eu só entendi que isso era uma coisa boa depois de pensar um pouco sobre o filme.
A duração na tela é realmente curta, apenas 81 minutos. Já a duração da história, um pouco maior: dez anos. O longa retrata 3 recortes na vida de um casal de amigos, Mari (Caroline Abras) e Caio (André Antunes), durante essa década. Os diretores aproveitaram o curta homônimo de 2006, premiado em Cannes, e em 2013, planejaram uma continuação. Rodaram algumas cenas para um novo curta que nunca chegou a ser finalizado e em 2016, em Berlim, uma nova parte da história foi gravada para estruturar um longa-metragem que entrelaça três períodos distintos da vida dos protagonistas.
Alguma Coisa Assim é em essência um filme sobre relacionamentos, ou melhor, é justamente sobre a ambiguidade de significados que essa palavra traz. No curta de 2006, Caio beija outro garoto pela primeira vez e Mari fica meio chateada porque sente alguma coisa pelo amigo. Só que a montagem e o roteiro do longa trazem novas nuances e significados para as cenas reaproveitadas do curta e é fascinante acompanhar o amadurecimento não só das personagens, mas também dos próprios atores e diretores do filme. Há uma série de sutilezas nas imagens, nos diálogos, nas metáforas. Caroline Abras é uma potência em cena e sua evolução como atriz é nítida (a cena da discussão é brilhante). André fica um pouco abaixo, mas não chega a comprometer. E cabe aqui uma curiosidade: depois do curta de 2006, ele nunca mais atuou e teve que ser convencido a voltar ao personagem.
Explicar mais detalhes sobre a narrativa seria tirar do espectador a chance de apreciar momentos aparentemente mundanos, triviais, porém carregados de significado. Uma das qualidades do filme é que ele não tem a pretensão de retratar toda uma geração, mas fala de temáticas universais como amizade, amor, sexualidade e casamento. Mari e Caio são pessoas bem diferentes e o filme aceita isso, não tenta dizer ao espectador qual o jeito certo de agir ou o que sentir. E quando se propõem a falar sobre aborto, os diretores não pesam a mão. Tratam o tema com a profundidade necessária e sem maniqueísmos, mas fica a cargo do espectador completar as lacunas que o filme deixa de forma proposital.
As comparações com o cinema de Richard Linklater (Trilogia do Amanhecer, Boyhood) com certeza virão, e parece claro que as referências realmente estão lá, assim como outras marcas do cinema mumblecore americano. Muitos diálogos, situações do cotidiano, jovens perdidos na vida. Falando assim parece algo requentado, que já foi visto antes, mas o filme foge bem dos clichês. Na verdade é revigorante ver esse tipo de filme na cinematografia brasileira comercial, chegando às salas de cinema e possibilitando que uma geração (ou parte dela) veja representados seus questionamentos e anseios de forma honesta, sem caricaturas.