De cara, parece desnecessário mais uma adaptação de Little Women, livro de Louisa May Alcott publicado entre 1868 e 1869, adaptado sete vezes ao cinema. Mas Greta Gerwig (Lady Bird), diretora e roteirista da obra, entende seus temas sem se sentir obrigada a reformar o discurso.
O sucesso do livro veio por parte da admiração das jovens, finalmente sentindo suas preocupações e vivências validados num livro – como Amy, personagem de Florence Pugh (Midsommar), diz, “as coisas parecem mais importantes quando você escreve sobre elas”. Tem algo de reconfortante em acompanhar irmãs muito diferentes crescerem juntas, com suas brigas horríveis e amor profundo.
O filme apresenta Meg, Jo, Amy e Beth, as irmãs March, a medida que crescem. Elas lidam de formas muito diferentes com as limitações de serem mulheres numa época que seu único valor era como esposas e mães. Meg (Emma Watson, A Bela e a Fera), é bela e tradicional, e assume a liderança da casa com facilidade quando a mãe, Marmee (Laura Dern, Big Little Lies), está ausente.
Jo (Saoirse Ronan, Lady Bird) é a protagonista, uma menina um pouco andrógina com temperamento forte e apaixonada por escrever. Ela fica ressentida com os casamentos que irão separar suas irmãs, e é pouco inclinada à seguir essa tradição, procurando formas de ganhar dinheiro com sua escrita.
Temos também Beth (Eliza Scanlen, Objetos Cortantes), a irmã mais tranquila e tímida que gosta de tocar piano, e Amy, que entende as limitações de ser mulher e está disposta a ser fria para conseguir uma vida confortável para si e sua família por meio de um bom casamento.
Poucas alterações são feitas por Gerwig; a mais relevante é no final, em que há a separação da história do livro Little Women escrito por Jo March, personagem do filme Little Women, e da própria narrativa do filme. Soa confuso, mas Greta deixa claro qual é qual com diferenças na temperatura da cor, sem recorrer à textos desnecessários na tela.
Aliás, o trabalho na direção e roteiro de Greta é tão sensível, sutil e ainda assim cheio de personalidade, que merece indicações em qualquer premiação que se preze. Seu maior triunfo está no que ela faz com as personagens, que são fáceis de diferenciar nos livros, mas têm grandes diferenças na forma que são construídas, algumas muito mais complexas que outras.
Gerwig as trata com carinho – todas são igualmente gostáveis e, mesmo que discordem radicalmente nas posturas que tomam em relação à suas vidas, é sempre deixado claro que nenhuma escolha é mais importante que a outra. Essa é uma armadilha fácil de cair quando se tem uma personagem um pouco mais atual, como Jo, e personagens com morais mais antigas, como Meg e Amy.
Mas seu trabalho no roteiro não iria longe sem um elenco competente. De cara, pode parecer que foram escolhidos por serem os queridinhos dos cinéfilos de 20 a 30 anos, fiéis da A24, mas este julgamento rapidamente se prova errado. Todos estão mais que competentes em seus papéis, e os personagens ficam reais, pessoas que você realmente se importa com a trajetória como se fossem amigos.
É fácil esperar muito de Saoirse, uma grande atriz desde criança, mas sua Jo é vulnerável e forte ao mesmo tempo, quase uma versão concentrada de Lady Bird, sua última colaboração com Greta. Seu discurso sobre acreditar no em seus valores e ainda assim se sentir tão sozinha, prestes a tomar decisões desesperadas em troca de um pouco de paz, já deve conquistar indicações aos principais prêmios nesta temporada.
Emma Watson, que demonstrou pouca versatilidade nos papéis de Harry Potter para cá, mostra que não é limitada. Meg sente dúvidas, mas segue seus instintos e tenta se manter fiel à criação que teve. Ela é a mais parecida com a mãe, escolhendo uma vida de maior privação, mas o faz com mais tranquilidade no coração. Não traz nenhum trejeito de Hermione ou Bela, como as sobrancelhas inquietas para demonstrar emoção ou a fala tensa na garganta. Meg é confiante e calorosa.
A Amy de Florence Pugh seria muito fácil de desgostar em qualquer outro filme. Ela cede aos valores da época, mas os entende com frieza. Suas cenas com Laurie (Timothée Chalamet, O Rei) são muito boas e nos fazem empatizar com a personagem e suas escolhas mais duvidosas.
Eliza Scanlen parece estar em um desafio abaixo de seu calibre após sua performance em Sharp Objects, mas Beth é calma e sábia, essencial para o amadurecimento das irmãs March ao enfrentar sofrimento sem grandes ressentimentos. Chalamet é o mais fraco do núcleo, talvez por Laurie ser o personagem menos interessante, meramente um observador da dinâmica das irmãs.
Uma das cenas mais fortes é uma das mais simples. Laurie e seu tutor estão na sala e veem Amy chorando do lado de fora – o professor bateu em sua mão, que estava sangrando, e ela estava com medo de contar para a mãe e ficar de castigo. Os dois tratam de sua ferida, e logo a trupe March toda toma o ambiente completamente, brigando e se preocupando uma com a outra, pegando coisas emprestadas enquanto fazem comentários sobre o ambiente, flertando com o tutor e pedindo obras de arte. Quando elas saem, a sala cai em um silêncio desconfortável, e os três se encaram, quase com inveja da dinâmica calorosa das irmãs.
É um alívio que um remake de uma adaptação tenha tanta alma, e um enredo desses é atemporal, com um valor especial para quem cresceu numa família de mulheres.
A história parece, sim, antiga – o quão revolucionário pode ser ver Saoirse Ronan falar que mulheres podem ser mais que sua beleza e coração? – mas Greta sabe que a alma da história não está nisso, e sim em mostrar o quão mágico pode ser o amor entre irmãs.