A Pequena Sereia, Halle Bailey e a “fidelidade” nas adaptações

Carol Magalhães
7 Min de Leitura
BossLogic /Reprodução

Eu tenho certeza que antes mesmo de começar a ler essa frase você já tinha uma opinião sobre o assunto da semana: a escalação de Halle Bailey para o papel principal do live action de A Pequena Sereia. Anunciada ontem, a decisão da Disney já levantou discussões sobre representatividade, fidelidade de adaptação, originalidade e racismo. 

Vamos começar do começo: fãs chatos serão fãs chatos. Sempre haverá aquelas pessoas que acham que a sua obra favorita deve ser mantida intocada por toda a eternidade. Não há mudanças possíveis a serem feitas, pensam elas, porque aquele filme ou livro JÁ é perfeito. E por isso que é extremamente engraçado que é esse mesmo fã que deseja ardentemente que sua obra favorita ganhe uma nova forma de ser apresentada ao mundo ou mais conteúdo. 

Isso resulta em uma situação que já conhecemos. Remakes, live actions ou adaptações são desenvolvidos e não agradam os maiores fãs: a luz não é correta, aquele uniforme verde musgo na verdade deveria ser verde claro, se pronuncia assim e não assado. 

É claro que os fãs originais gostam de ver algo parecido com o que gostávamos na infância, mas, essas adaptações são feitas para um público bem mais amplo (e, ás vezes, menos seletivo). E, até entre os fãs, não é preciso muito esforço para admitir que o que se quer mesmo não são cores de uniforme idênticas. O desejo é uma história que mantenha a qualidade do material original. 

Aqui cabe uma apresentação: eu sou literalmente aquela menina chata que sempre diz que o livro é melhor. E eu faço isso por duas razões: a) uma óbvia, já que o livro realmente é e sempre será melhor e b) uma menos óbvia, a de que eu na verdade gostaria que as pessoas sentissem vontade de conhecer mais de uma história pela qual eu sou apaixonada e da qual eu sei que há muito mais a ser contado. Mas, surpresa: qualquer um pode aproveitar a adaptação tanto quanto eu curto a obra original.

E para ferir ainda mais o meu orgulho, outra verdade: ninguém dá a mínima ao fato de que uma menina no cinema está falando que claramente Dumbledore pergunta calmamente a Harry se ele havia colocado o nome dele no cálice de fogo no livro e não da forma como foi retratada no filme por que isso claramente destrói completamente a construção do personagem e é um desserviço com a obra original e

Acabou o filme, todo mundo está rindo sobre e você está lá numa discussão super extensa que ninguém escuta.

Esses resmungos de fãs são todos normais e até esperados. Mas nada disso costuma chegar a proporções como chegou a discussão sobre o live action de A Pequena Sereia. Isso porque esse caso não é só sobre fidelidade a uma animação – e, sim, sobre racismo. E sobre como as pessoas se recusam a admitir suas atitudes racistas.

Afinal, é muito mais lógico que em um mundo ficcional onde sereias existem, onde peixes falam e onde existe magia, negras não podem ser sereias do que isso ser um reflexo de um pensamento racista. As desculpas só ajudam a evidenciar que não se trata de uma “busca por fidelidade”: basta rodar pelo Twitter que veremos pessoas argumentando que bastaria criar uma nova personagem, ou que a comunidade ruiva precisa (???) de representatividade, ou de que essa mudanças seriam tão ridícula quanto colocar uma atriz branca para interpretar uma personagem negra.

No primeiro caso: quantos remakes e live action estamos vendo nos últimos tempos? A audiência está cada vez mais conservadora e o cinema custa cada vez mais caro. As pessoas querem pagar para ver o que sabem que vai ser um bom filme. Ninguém vai pagar para ver um filme chamado UMA OUTRA PEQUENA SEREIA. Então as companhias muitas vezes têm a escolha de inovar, mesmo que a passos lentos, dentro de estruturas fixas – ou não inovar de forma alguma.

Sobre o segundo caso, acho que deixarei a discussão os comentários para um ruivo ou uma ruiva. Você sabe, um com lugar de fala para denunciar os graves preconceitos que essa classe sofre na sociedade. 

É preciso ter consciência que a animação da Disney já é, por si só, uma adaptação da história criada pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, em 1837. A historia original é muito mais brutal e sombria em relação a história que se tornou clássica. Outra fator que deve ser lembrado, é que um filme é um registro da sua época. Quantas personagens negras eram protagonistas quando A Pequena Sereia foi lançada?  Mesmo o filme se passando no Caribe, naquela época pensaram que seria tudo bem a protagonista ser branca.

A atriz Alyssa Milano foi a inspiração para o visual da Ariel. Na época, Milano ainda era criança e fazia a série Who’s the Boss?. O responsável pela animação do desenho da Disney, Glen Keane, já chegou a afirmar em uma entrevista que também se baseou nos traços da sua própria esposa.

Assim, a personagem teve a sua aparência “original” baseada em pessoas, sem nenhuma relação com o contexto da história, levando em consideração os padrões de beleza vigentes na época da produção da animação. Mas, hoje, estamos vivendo um momento em que a representatividade nos cinemas está cada vez mais presente, visto Pantera Negra, Moonlight, Corra!, entre outro. Acho que esse é o momento perfeito para termos, sim, uma Ariel negra.

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Caroline Magalhães é estudante de jornalismo, blogueira e leitora ávida. Vira fã das coisas em segundos e tem milhões de crushs que moram em livros, séries ou filmes. No Cinesia, escreve sobre histórias do mundo nerd.
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