Em A Lenda de Ochi, a jovem Yuri (Helena Zengel) vive em um vilarejo remoto e isolado na ilha de Carpathia. Tímida e introvertida, Yuri cresceu com avisos de que nunca poderia sair após o anoitecer, criada para temer uma espécie reclusa da floresta conhecida como Ochi, criaturas que se popularizaram na região com o estigma de serem perigosas e malignas, piores do que lobos e ursos, e por isso são caçados a séculos pelos moradores. O líder dessas caçadas? O pai de Yuri, Maxim (Willem Dafoe), que ensina os jovens da região como caçar os Ochi.
No entanto, tudo muda quando Yuri esbarra com um Ochi bebê machucado e abandonado por sua matilha. Decidida a devolver o pequeno de volta para sua família, a jovem embarca numa aventura cheia de obstáculos e ameaças pelas montanhas e caminhos tortuosos da ilha. Ao se arriscar cada vez mais fundo dentro da floresta, ela descobre os segredos desse lugar, enfrenta desafios e, enquanto entende a importância de aceitar as diferenças dos outros, aprende muito sobre si e sua própria família.

Esse é o primeiro longa metragem dirigido por Isaiah Saxon (ele já dirigiu curtas e clipes musicais, como Wanderlust da Björk), e traz para as grandes telas uma história de mistério e ares nostálgicos. O filme aborda como dois seres completamente diferentes precisam conviver e compreender suas diferenças, com um roteiro e estética – principalmente a mecânica por trás do fofo Ochi – que nos faz voltar um pouco aos filmes de aventura e amizade das décadas de 1980 e 1990. Apenas um pouco.
Yuri desafia o que lhe foi ensinado durante toda a infância para embarcar numa aventura desconhecida pois, apesar do que aprendeu sobre os Ochi, ela sente que algo está errado. E acho que isso afasta um pouco A Lenda de Ochi da categoria “filme de aventura e amizade”. É um filme que fala sim sobre aceitar as diferenças, sobre buscar entender antes de tratar o diferente como algo perigoso, mas, principalmente, fala sobre acreditar e lutar no que é certo apesar de tudo o que lhe é ensinado.

Ao mesmo tempo, o filme mostra como o temor do desconhecido e discursos febris podem catequizar toda uma comunidade. Todo o vilarejo ao norte da remota ilha de Carpathia acredita realmente que os Ochi são malignos e, ao menor sinal, irão atacar os humanos. Assim como aos seus pupilos, Maxim nos ensina a temer os Ochi, e o fanatismo e medo real que ele tem dos primatas de rosto azul o faz não apenas um líder nessa empreitada de “matar o mal antes que ele nos mate”, mas também o afasta do papel de pai, desvalorizando Yuri, enquanto toma o órfão do vilarejo Petro (Finn Wolfhard) como filho e herdeiro de sua luta contra os Ochi.
Uma das coisas mais interessantes é o crescer geral da história: primeiro Maxim nos mostra o quão terríveis são os Ochi; então Yuri começa sua aventura para salvar o ser que todos acham maligno enquanto descobre mais sobre a ilha, o Ochi e a si mesma; o Ochi, por sua vez, é um bebê machucado que precisa se aliar a uma menina que representa os grandes caçadores de sua espécie; no meio disso Petro, que nunca foi exatamente a melhor pessoa para Yuri, se vê no dilema entre seguir os passos do homem que o tem como filho ou a verdade diante de seus olhos. E então surge Dasha (Emily Watson), que parece entender mais da dinâmica da ilha e dos Ochi que qualquer um.

Os temas tratados durante todo o longa são notórios e visualmente a experiência é espetacular, porém o aproveitamento dos personagens é desbalanceado. Então enquanto Yuri e Maxim são bem explicados e aproveitados take a take, Petro e Dasha são deixados com buracos em suas histórias e motivações, como se no corte final do filme cenas sobre eles tenham sido retiradas. Até mesmo um pouco mais sobre a história dos Ochi faz falta em certos momentos. Pode ter sido algo intencional por parte da produção para manter o tom fantástico? Pode, mas ainda assim faz falta.
Em contra partida, os cenários são incríveis e o escalonamento da história até seu ápice nos empolga e causa expectativa. É um filme realmente bonito e que tem como um de seus pontos altos a redenção do personagem de Willem Dafoe, do tipo que pode gerar comentários futuros como: “lembra aquela cena final dele no filme do macaquinho?”. É simples, mas muito significativa, bonita mesmo de assistir, pois mostra a maestria presente na atuação de todo o elenco, não só a dele. É uma daquelas cenas finais boas, sabe? Pois é.

A Lenda de Ochi é um longa cheio de ensinamentos que corre o risco de, ou encantar um público que irá sair do cinema pensativo, ou irá cair no limbo da estranheza, pois apesar da nostalgia oitentista que parece ter se banhado, ele possui um roteiro, dinâmicas e motivações que destoam um pouco de suas principais referências. É um bom filme, não só para os mais novos, mas para os adultos também.