O Mistério de Candyman (1992) se tornou um clássico cult do cinema de terror ao utilizar o mito urbano de Candyman para trazer reflexões sociopolíticas importantes para a época de seu lançamento, que perduram até hoje nossa sociedade. Adaptada do conto The Forbidden do escritor Clive Baker (o mesmo de Hellraiser) o filme de Bernard Rose ganha depois de quase 30 anos uma sequencia espiritual digna com a diretora Nia DaCosta (que comandará em breve The Marvels) e o produtor e roteirista Jordan Peele (Corra!, Nós) que o fazem aqui em A Lenda de Candyman.
Sem demostrar amadorismo, a dupla juntamente com o roteirista Win Rosenfeld, eleva sua crítica social e ignora as infames sequências Candyman 2 – A Vingança (1995) e Candyman – Dia dos Mortos (1999), funcionando como uma continuação dos eventos originais, mas ambientada nos dias atuais, em 2019. Mas claro sem deixar de proporcionar um banho de sangue para fã do gênero nenhum colocar defeito.
No novo longa, em um bairro pobre de Chicago, a lenda de um espírito assassino conhecido como Candyman (Tony Todd) assolou a população anos atrás, aterrorizando os moradores do complexo habitacional de Cabini Green. Agora, o local foi renovado e é lar de cidadãos de alta classe. O artista visual Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) e sua namorada, diretora da galeria, Brianna Cartwright (Teyonah Parris), se mudam para Cabrini, onde Anthony encontra uma nova fonte de inspiração. Mas quando o espírito retorna, os novos habitantes também serão obrigados a enfrentar a ira de Candyman.
Sem medo algum de tocar na ferida (literalmente!) o drama e o terror caminham juntos para construir uma narrativa que envolve, emociona e ensina o espectador na mesma proporção. Com a presença direta de cineastas negros na produção de A Lenda de Candyman, o longa consegue abordar a raça em todos os níveis do terror como comentários social.
É interessante a complexidade que a narrativa mostra a figura de Candyman, em diversas camadas. Aqui esse mito do monstro é desconstruído, mostrando que o racismo estrutural que criou a figura de Candyman, nada mais é que o desejo de vingança e justiça dos oprimidos contra uma sociedade opressora. A Lenda de Candyman chega a ser brutal que consegue mostrar que os horrores, às vezes, não vem de lendas sobre seres com casacos pesados e ganchos, e sim, um que está presente no dia-a-dia de muitas pessoas. E como elas levam esses medos e temores o tempo todo com elas e para suas vidas.
Nia DaCosta consegue conduzir bem o drama e o terror que feita com escolhas narrativas bastante ousadas. Usando o slasher de forma pouco convencional, a diretora compõem sua violência gráfica de maneira criativa, mostrando a figura do vilão por meio de reflexos na maioria das vezes. Até os manjados jump-scares tem boa dose de uso e funcionam bem na narrativa.
O único ponto um tanto falho aqui me acontece entre a virada do segundo para o terceiro ato que acaba ficando um tanto abrupta e que precisa correr logo para o seu desfecho. Não chega ser aquele escorregão, mas um pouco mais de tempo e seu encaixe se faria melhor.
Outro ponto a destacar é a parte técnica do longa. Seu original usava bem as artes e grafites da comunidade, aqui esse aspecto se mantem bem, assim como o uso das sombras e desenhos em forma de marionetes para contextualizar algumas passagens do filme que dá uma estilo visual incrível. Os efeitos práticos e maquiagem para o body horror também são muito bons. A trilha sonora é bem atmosférica e consegue dar o clima a trama.
Yahya Abdul-Mateen II está aqui mais uma vez ótimo e entrega uma performance intensa, sombria e repleta de camadas. A sua química com a Teyonah Parris, que também está muito bem é ótima e nos desperta empatia, algo importante em uma produção de gênero.
A Lenda de Candyman é um filme que assim como seu original é atmosférico que explora de forma profunda a questão racial em um terror brutal e incisivo. Entendendo bem a complexidade do tema a diretora ressignifica bem o papel da lenda urbana eternizada e nos faz questionar quem é o verdadeiro vilão dessa história.