A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes | Prequel de Jogos Vorazes explora as partes mais desinteressantes do canon

Catarina Lopes
9 Min de Leitura
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Contem Spoilers para a trilogia Jogos Vorazes e para A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

Jogos Vorazes se estabeleceu, no começo da última década, como a melhor franquia de livros Young Adult, iniciando um frenesi literário de distopias e interessando a primeira leva da geração Z por política e literatura. Os livros exploravam a relação entre opressores e oprimidos com personagens complexos, marcados pela guerra e violência, e deixava claro como a área cinza entre bons e maus era extensa no meio do conflito.

Então, quando foi anunciado que um livro prequel, ou seja, que se passa antes dos acontecimentos da trilogia principal, a especulação focou nos dois coadjuvantes mais amados com os passados mais interessantes: Finnick e Haymitch.

Eram escolhas lógicas. Os dois foram vitoriosos em boas edições dos Jogos Vorazes, e o pouco que sabemos do passado deles já prometia um enredo interessante: Finnick foi um dos vitoriosos mais jovens, conseguindo uma arma rara por meio dos seus muitos patrocinadores, conquistados com sua boa aparência. Dois anos após vencer, para garantir que seus entes queridos não seriam assassinados, ele foi obrigado a se prostituir para moradores da capital. Já Haymitch venceu um Massacre Quaternário, com o dobro de tributos, conquistando inimigos na Capital que levaram ao assassinato de sua família e namorada.

Então qual foi a surpresa generalizada quando foi anunciado que o protagonista da história seria o vilão da saga, o presidente Coriolanus Snow? Muitos demonstraram preocupação que ele seria romantizado, o mesmo homem que prostituía crianças e transformava o assassinato em massa de adolescentes em entretenimento, já que eles não viam como o protagonista funcionaria sem que o leitor sentisse um pouco de empatia por ele.

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Mas, após ler A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, o livro estrelado por Snow, é possível afirmar que esse é o menor dos problemas da história. Não que o livro seja “problemático” (não mais que os outros livros da saga) – o problema é que a história de Snow tem pouquíssimo acontecendo.

Esse podia ser um bom livro – afinal, muitas histórias de origem de vilão conseguem funcionar bem, e ver como um menino de família falida alcançou o maior cargo na distópica Panem podia ser bem interessante. Porém, a história já começa cometendo o erro de escolher um Snow que acabou de entrar na vida adulta, se formando no último ano de colégio e sendo mentor de um tributo dos Jogos Vorazes.

Snow tem algumas preocupações, claro, mas o senso de urgência não existe – a maior parte dos conflitos estão na cabeça do menino Coriolanus. Ele começa a se interessar pela menina que mentora, Lucy Gray, do Distrito 12. Ela é carismática, esperta, e acostumada a viver com pouco para sobreviver. Coriolanus acha que – em meio a usar ela para atingir seus objetivos e achar ela convencionalmente atraente – está completamente apaixonado por ela.

O livro, como a trilogia antes dele, é dividido em três partes. A primeira, de longe a mais interessante, nos apresenta uma Capital em reconstrução após a guerra que levou ao início dos Jogos Vorazes. Os Snow eram uma família importante, mas perderam todo seu dinheiro, e os cidadãos dos distritos que lucraram com a guerra conseguem o status de membros da Capital por meio de sua nova fortuna.

Um deles é o principal coadjuvante após o interesse amoroso, o ex-Distrito 2 Sejanus Plinth. Sejanus é, com tranquilidade, uma das piores partes do livro, sendo idealizado como um jovem cheio de compaixão mas escrito como um moleque sem senso de sobrevivência com a boca grande demais, prestes a usar o dinheirinho do papai para consertar qualquer problema que ele tenha se envolvido por agir como um crianção irresponsável.

Sua pouca presença na primeira parte do livro ajuda a história a fluir melhor, já que, além no início do pseudo-romance de Snow e Lucy Gray Baird, descobrimos que os membros mais poderosos da Capital não desprezam apenas as crianças dos Distritos, como também suas próprias crianças, que são constantemente colocadas em situação de vida ou morte por uma das antagonistas do livro, Dr. Gaul, orquestradora de grandes despedidas e promessas de vingança pela vida das crianças que ela mesma ajudou a matar.

Por isso, o primeiro terço do livro flui como o primeiro Jogos Vorazes – a constante preocupação com aparência, já que ela está intimamente ligada à sua capacidade de continuar vivo; o senso de sobrevivência aguçado; e as constantes maquinações para tentar conseguir escapar com vida de cada situação perigosa que aparece.

Já a segunda parte do livro foca na 10ª edição dos Jogos, acompanhada pelo ponto de vista de Coriolanus, tentando aprender como melhor manipular o sistema de patrocínios recém-inaugurado. O livro começa a ir ladeira abaixo em ritmo por aí – além de um breve conflito físico que Sejanus obriga Snow a se envolver, é uma edição particularmente chata dos Jogos, já que o sistema de áudio e vídeo era rudimentar e boa parte dos tributos passa a edição enfiada nas ruínas subterrâneas da arena, onde não há câmeras.

O último parágrafo desta parte é um dos pontos altos do livro, entregando uma guinada inesperada nos acontecimentos. Porém, a terceira e maior parte do livro faz questão de estragar qualquer memória afetiva positiva criada pelo que a antecedeu.

Snow e Sejanus viram pacificadores no Distrito 12. Esse é um dos maiores problemas do livro – com um país inteiro para explorar, mais de 70 edições dos Jogos Vorazes para contar, voltamos para o local que conhecemos melhor na saga.

Além disso, essa parte do livro é desnecessariamente longa, arrastada, contando detalhes de um romance sem química, de uma amizade forçada, de um pseudo-rebelde que não passa de um adolescente mimado cronicamente insatisfeito. Snow abre mão de seus objetivos enquanto pensa em traçar novos, perdido entre burocracia diária e shows da sua namorada.

É a oportunidade de dar a uma legião de fãs fiéis mais sobre o país interessante criado uma década atrás, e Suzanne Collins resolveu usar ela contando a pior e mais desinteressante rom-com em período de guerra da literatura.

A história fica um pouco mais interessante nos últimos capítulos, com Snow de volta à Capital, de novo com objetivos, começando a virar um personagem interessante. Bem quando o livro acaba.

O que termina de matar A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, que já capengava por escolher uma das premissas menos ricas em conteúdo do canon, é o ritmo. O início do livro passa rápido e te anima para a segunda parte mais fria, mas o terceiro pedaço do livro é maior que as duas primeiras metades e se arrasta sem objetivo por campinas, shows e caçadas de pássaros, jogando aqui e ali uma referência a Katniss, como quem diz “ei, lembra de quando Jogos Vorazes era bom?”. Sim, Cantiga dos Pássaros e Serpentes, eu lembro.

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Jornalista em formação e fã de cultura pop por natureza
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