Crítica – Doutor Estranho

Emile Campos
10 Min de Leitura

O Universo Cinematográfico da Marvel já está estabelecido e não tem mais nada para provar a ninguém. Depois de trazer Homem de Ferro, Thor, Capitão America entre outros famosos, a Marvel apostou em figuras mais desconhecidas como Guardiões da Galáxia e Homem Formiga e o resultado foi muito positivo. Agora em sua 14° produção o estúdio estréia Doutor Estranho,filme que não só introduz ao cinema um novo herói, como também traz um dos elementos fantasiosos mais importantes e grandiosos da editora de quadrinhos: o conceito e a prática de magia. E, tudo isso funciona também como uma metáfora de um universo cinematográfico inteiro se remodelando através de um caleidoscópio, para acomodar um herói bizarro, ou melhor… Estranho, além de trazer ainda mais expectativas para o futuro.

A trama nos apresenta Stephen Strange (Benedict Cumberbatch), um talentoso e arrogante neurocirurgião que, após um grave acidente de carro, perde quase que completamente a função de suas mãos. O protagonista então investe seus últimos recursos em uma viagem para o Oriente em um lugar chamado Kamar-Taj, onde ele espera encontrar uma cura milagrosa para seus ferimentos e, consequentemente, recuperar sua vida e carreira.

A partir daí, acompanhamos Strange em uma jornada que segue a mesma fórmula que os outros filmes de origem da Marvel — uma que envolve momentos de questionamento, aceitação, descobertas e desafios. Neste caso, o herói em formação é um homem da ciência que, mesmo tendo presenciado a invasão Chitauri em Nova York e a chegada dos Vingadores, não acredita em mágica ou milagres espirituais. É presenciando os poderes da Anciã (Tilda Swinton), a Maga Suprema da ordem dos magos, que Stephen compreende os fatos — e é aqui que o longa começa a se destacar entre seus antecessores.

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O roteiro escrito por Jon Spaihts, Scott Derrickson(que também dirige) e C. Robert Cargill realiza um ótimo trabalho nos familiarizando com Strange. Com cenas pontuais e de bastante significado dentro da narrativa, aprendemos o quanto ele valoriza seu emprego não como uma forma de necessariamente curar os outros, mas de elevar seu status. Acima de tudo, ele preza pela sua imagem, chegando ao ponto de negar alguns pacientes, pois sabe que eles são incuráveis. Cumberbatch não decepciona. Muito pelo contrário, o ator demonstra-se totalmente à vontade no papel e efetivamente enxergamos a pessoa por trás da figura do mago. Sua obsessão em se curar chega a ser palpável, o que facilmente nos convence que sua jornada para o Nepal seria algo que ele efetivamente faria.

A magia que o universo de Doutor Estranho oferece faz toda a diferença no filme como um todo porque está diretamente ligada com as descobertas e experimentações do protagonista. Aos poucos vemos como ele aprende no templo da Anciã, que o motiva a seguir esse caminho místico. Não se trata de uma mudança da água para o vinho, como pode ser observado em centenas de filmes por aí. A forma como o texto se preocupa com essa gradação nos lembra fortemente de Homem de Ferro, que também trabalha seu protagonista de forma orgânica.  Todas as situações absurdas da história, como magia, objetos místicos ou mesmo cenas ação de ponta cabeça em cenários impossíveis, dentro do contexto do filme e de dimensões paralelas, se fazem até mais naturais do que um Capitão de 90 anos de idade derrotando vilões com um escudo de Vibranium.

O que mais nos chama a atenção é a forma como o tom construído se diferencia do restante do Universo Cinematográfico Marvel. Há algo de ancestral no ar, que remete ao hermetismo de toda a temática da obra, algo garantido pelas melodias de Michael Giacchino, que cria uma sonoridade tanto mística quanto psicodélica, umas das melhores do MCU. Dessa forma, as locações ganham idade, reforçando o trabalho do design de produção. Evidente que o trabalho de efeitos especiais deve ser mais que elogiado aqui, trazendo-nos representações que ganham uma solidez impressionante. O longa tem o tom psicodélico dos quadrinhos dos anos 70 e 80 de Steve Ditko, com cenas conceituais incríveis e sequências de ação impressionantes. Imagine o que vimos em A Origem (2010), com múltiplos planos e realidades conflitantes, agora crie algo ainda mais impressionante a partir disso, com elementos conceituais e temas fantásticos sempre difíceis de serem bem trabalhados no cinema, como magia, manipulação do tempo, múltiplos universos, dimensões e realidades alternativas. E de quebra o 3D vale a pena. E claro assista na maior tela possível!

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A fórmula da Marvel está de volta em Doutor Estranho de uma forma mais corajosa. Muitos podem achar seu calcanhar de Aquiles, mas sejamos francos,se a concorrência já começou a demonstrar utilizar-se disso(vide os trailers de Mulher Maravilha e Liga da Justiça com piadinhas colocadas e o desastroso Esquadrão Suicida)porque o estúdio deveria parar com seu recurso? Esse tom descontraído, contudo, não toma conta da narrativa única e exclusivamente. Há um equilíbrio bem estabelecido entre o drama, a ação e a comédia, de forma que um complementa o outro. As piadinhas de Strange condizem com sua personalidade sarcástica, mas são pontuais, tornando-se, portanto, mais orgânicas dentro do roteiro e não impactando a atmosfera de tensão criada no longa-metragem.

Se restava alguma dúvida que Cumberbatch foi a escolha ideal para interpretar Stephen Strange, todos os momentos que o ator aparece em Doutor Estranho comprovam que ninguém poderia fazer melhor. Embora no começo do filme o neurocirurgião lembre muito o passado de Tony Stark, a evolução do personagem é notável graças à atuação de seu intérprete — algo que vai além de carisma e uma boa filmografia.

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Os demais atores escolhidos para o elenco também arrebentam, como Tilda Swinton, que entrega uma personagem misteriosa, cheia de segredos e dona de um conhecimento sobre multiverso da Marvel que é invejável. Nos quadrinhos, a Mestre de Strange é originalmente um homem tibetano, o que acabou gerando críticas dos fãs da Marvel em relação à mudança na adaptação aos cinemas. No fim das contas, ter uma Anciã mulher proporcionou um empoderamento feminino importante e inspirador para um elenco majoritariamente composto por homens. Benedict Wong (Wong), que vem realizando bons papéis no cinema e TV, como o imperador da série da Netflix, Marco Polo e aqui acerta mais uma vez na composição do personagem. Chiwetel Ejiofor (Mordor) tem um crescimento gradativo na trama e deve ser ainda mais importante no futuro da franquia.  Rachel McAdams (Christina Palmer) já é uma atriz de renome, que esteve no aclamado Spotlight,e aqui  mesmo não tendo muito espaço tem sua parcela. Já Kaecilius, interpretado por Mads Mikkelsen, consegue ser somente mais uma adição na lista de vilões esquecíveis da Marvel. A ressalva desta vez é que, da mesma forma como Capitão América: Guerra Civil utilizou Zemo, o mago rebelde é um instrumento que serve para desencadear ações muito maiores do que suas intenções iniciais previam. Ao mesmo tempo, o que torna Kaecilius um vilão decente, além de suas divertidas interações com Strange, são suas escolhas convincentes e a busca por algo que vai além de poder para si mesmo.

Por fim, sem abandonar os moldes da Marvel, Doutor Estranho não decepciona ao introduzir um novo herói ao universo cinematográfico do estúdio — comandado perfeitamente por Benedict Cumberbatch e com as atuações excelentes de Tilda Swinton, Mads Mikkelsen e Chiwetel Ejiofor, o filme traz uma linguagem própria, com escolhas visuais ousadas e “viajantes” aliadas a ótimos efeitos especiais em um dos melhores filmes produzidos pelo estúdio, que certamente justifica todo o hype e curiosidade gerada nos espectadores. As portas da magia foram abertas em grande estilo nesse Universo Cinematográfico.

Atenção: Não sai da sala antes dos créditos pois como de costume temos 2 cenas! Uma durante e outra no final.

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