Desde que surgiu no cenário musical como The Weeknd, Abel Tesfaye construiu uma carreira envolta em mistério, sensualidade sombria e uma estética sonora inconfundível. Com vocais etéreos e letras introspectivas, ele se firmou como uma das maiores vozes do pop contemporâneo. No entanto, nos últimos anos, o artista parece dividido entre abandonar a persona que o tornou famoso e usá-la como trampolim para novos experimentos artísticos – especialmente fora da música.
Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes (2025) é a mais recente (e ambiciosa) tentativa de Abel de explorar sua imagem e legado através do cinema. O filme, que chega aos cinemas brasileiros em 15 de maio, busca ser uma espécie de catarse audiovisual, mas tropeça ao tentar mergulhar em profundidades que nunca realmente alcança.

No longa, Abel interpreta uma versão ficcional de si mesmo: um astro da música exausto física e emocionalmente, preso entre a pressão do sucesso, o abuso de substâncias e o fim mal resolvido de um relacionamento. Com a voz debilitada e a saúde mental em declínio, ele é incentivado pelo empresário manipulador (vivido por Barry Keoghan) a continuar em turnê, mesmo que isso o empurre à beira do colapso.
A história se entrelaça com a chegada enigmática de Anima (Jenna Ortega), uma jovem marcada por traumas, que aparece de forma quase sobrenatural após incendiar uma casa. Seu caminho se cruza com o do protagonista, e a partir desse encontro nasce uma conexão dolorosa e confusa – repleta de simbolismos visuais e referências diretas às faixas do álbum Hurry Up Tomorrow.

Não há dúvidas de que a trilha sonora é o ponto alto do filme. As músicas do novo álbum, intercaladas com sucessos anteriores de The Weeknd, sustentam boa parte da narrativa. São nos momentos de show que Hurry Up Tomorrow realmente encontra força: a fotografia capricha nos contrastes de luz e sombra, e o design sonoro amplifica cada batida com precisão. As cenas de performance, curiosamente, são mais vivas e coesas do que qualquer outra sequência dramática.
A presença de Jenna Ortega também é um respiro. Ainda que sua personagem seja subexplorada e envolta em mistério gratuito, Ortega imprime emoção e intensidade às cenas em que aparece, dando alguma credibilidade a uma história que insiste em se perder de si mesma.
O maior problema de Hurry Up Tomorrow é sua incapacidade de equilibrar intenção e execução. Abel Tesfaye parece querer se despir emocionalmente diante das câmeras, mas o faz sem verdadeira vulnerabilidade. Seu personagem é pintado como vítima do sistema, das drogas, da fama – mas suas atitudes abusivas e autodestrutivas são mostradas sem reflexão real. O roteiro levanta questões, mas nunca se compromete a respondê-las. Tudo parece uma tentativa de parecer “profundo”, quando na verdade é apenas raso.

A atuação de Abel é, no mínimo, apática. Seu desempenho sem nuances arrasta cenas importantes para a monotonia, fazendo com que até os momentos de crise soem ensaiados demais. Barry Keoghan, mesmo talentoso, está contido em um papel previsível, enquanto Trey Edward Shults, na direção, parece hesitar entre fazer um filme autoral ou um videoclipe estendido – e o resultado é um híbrido que não funciona bem em nenhum dos dois formatos.
Visualmente, há momentos de beleza. Mas a estética, por mais caprichada que seja, não sustenta um roteiro frouxo, com diálogos artificiais e cenas desconexas. O simbolismo vazio se acumula, criando uma narrativa que se confunde entre metáforas visuais e pretensão não correspondida.

Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes tenta ser uma jornada íntima e crítica sobre fama, identidade e saúde mental. No entanto, falta coragem para que Abel Tesfaye encare seus próprios demônios com sinceridade. O resultado é um projeto esteticamente interessante, mas emocionalmente vazio – mais preocupado em ser uma obra “conceitual” do que em contar uma história com alma.
Para os fãs, o filme serve como uma vitrine das novas músicas e, quem sabe, como um possível epílogo da era The Weeknd. Mas para o público geral, é uma experiência irregular: um espetáculo visual com trilha impecável, mas narrativa falha. Em vez de revelar o homem por trás do astro, Abel acaba reforçando a persona – e, ironicamente, continua preso sob os mesmos holofotes que tenta evitar.