Manas | Filme traz uma história sobre dor, invisibilidade e resistência

Danilo de Oliveira
4 Min de Leitura
4.5 Excelente
Critica - As Manas

Manas (2024) é uma obra que mergulha nas profundezas de uma realidade que, muitas vezes, permanece fora do alcance das lentes e das manchetes. O filme se volta para um Brasil que não aparece nos noticiários nem nas estatísticas oficiais — o interior profundo do país, marcado por múltiplas formas de violência, carência de recursos básicos e ausência do Estado. Essa é uma história sobre meninas que crescem cercadas não apenas pela paisagem amazônica, mas também por silêncios forçados, dores abafadas e a esperança crua de fugir.

Na isolada e esquecida região do Marajó, no Pará, vive Cielle, uma menina de 13 anos interpretada com força e delicadeza por Jamilli Correa. Ainda no limiar entre a infância e a adolescência, ela divide seus dias entre brincadeiras com a irmã mais nova e a luta diária por dignidade. Quando a corda de sua rede arrebenta, seu pai Marcílio (Rômulo Braga) decide que, a partir dali, ela dormirá com ele — uma decisão que desencadeia uma espiral de abusos. Sua mãe (Fátima Macedo) permanece apática, resignada ao que parece ser um ciclo já conhecido. Sem alternativas e consumida pela violência, Cielle começa a se aproximar das balsas que navegam o rio, oferecendo-se em troca de comida ou da chance de escapar.

Paris Filmes/Reprodução

Entre os maiores trunfos de Manas está a sensibilidade com que aborda um tema brutal. A diretora Marianna Brennand, em sua estreia no longa-metragem de ficção, demonstra um domínio notável sobre o que não mostrar. As cenas de abuso são construídas em off, com uso inteligente de som e enquadramentos sugestivos, protegendo o elenco infantil e, ao mesmo tempo, intensificando o impacto emocional no espectador. É uma escolha ética e estética poderosa.

Jamilli Correa é um verdadeiro achado. Sua atuação transmite a inocência perdida, a coragem silenciosa e a dor contida com uma maturidade impressionante. Não à toa, foi premiada no Festival do Rio. Rômulo Braga entrega uma performance densa e perturbadora, encarnando com coragem um personagem desprezível sem cair na caricatura. Fátima Macedo constrói uma figura materna impotente, cuja resignação incomoda mais do que o silêncio.

A direção de fotografia se destaca ao capturar a beleza natural do Marajó em contraste com a crueldade dos acontecimentos — a paisagem exuberante funciona como um paradoxo trágico. A trilha sonora é sutil, respeitosa, e nunca se impõe sobre as emoções das cenas. O roteiro, assinado por um coletivo de roteiristas, tem como mérito o equilíbrio entre denúncia social e narrativa ficcional, ainda que, em alguns momentos, peque por diálogos um pouco expositivos.

Paris Filmes/Reprodução

Manas não é um filme fácil — e não deveria ser. É uma obra que incomoda, denuncia e emociona sem recorrer ao sensacionalismo. Seu maior valor está na coragem de trazer à tona histórias que, embora ficcionais, refletem a realidade de muitas meninas brasileiras invisibilizadas pelo sistema.

Com uma direção ética, atuações contundentes e um olhar humanizado sobre uma das maiores feridas sociais do Brasil, Manas é um filme urgente. Um lembrete de que o cinema pode — e deve — ser instrumento de resistência, memória e transformação.

Critica - As Manas
Excelente 4.5
Nota Cinesia 4.5 de 5
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