*Texto feito juntamente com Emile Campos
Lançada ano passado a primeira temporada de The Boys foi umas das melhores surpresas entre as séries de 2019. Adaptando a HQs insana de Garth Ennis, o showrunner Eric Kripke (Supernatural) juntamente com a Amazon Prime trouxe uma série de super-heróis que ao mesmo tempo que parodia o gênero, traz ótimas críticas sobre a industria midiática do entretenimento e suas celebridades com uma substância bastante relevante ao mesmo tempo sem medo ser divertidamente insana.
O aguardado segundo ano consegue melhorar seu texto e ampliar sua insanidade sem necessariamente “ser maior”. Se o maior destaque era a sátira ao universo dos heróis de forma insana e bem violenta, o novo ano da atração da Amazon dar mais atenção aos seus personagens e núcleos que ao longos dos 8 episódios são incrivelmente bem construídos, o que traz mais possibilidades de debater temas bastantes relevantes sem deixar de abusar da acidez e brutalidade de antes, elevando o nível da produção que com certeza já é uma das melhores coisas de 2020.
O segundo ano começa com Butcher (Karl Urban) desaparecido, enquanto Hughie (Jack Quaid) e o restante dos Boys estão vivendo como fugitivos. Por outro lado, Starlight (Erin Moriarty) tenta navegar pelos Sete, enquanto Homelander (Antony Starr) segue na busca por poder, mas bate diretamente com os planos do novo chefão da Vought, Edgar Stan (Giancarlo Esposito). Tudo isso ainda é balançado com a chegada de uma nova e perigosa heroína, Stormfront (Aya Cash).
Estrategicamente bem costurada, o segundo ano traz aquele banquete irreverente de pura sanguinolência,enquanto revela novas camadas dos heróis já conhecidos do público, conforme introduz também novos personagens, que migram das extremidades para o centro da narrativa de forma sensacional em fração de minutos. A hipnotizante narrativa,vai a cada episódio trazendo novas revelações e este novo ciclo traz um roteiro conciso e bem ajustado, sabendo usar o tempo de tela de todos os seus protagonistas com maestria e leveza. E quanto mais desafia nossa compreensão sobre dinâmicas relacionais, comportamentos obsessivos e complexos emocionais doentios, mais a série nos traga para uma sucessão de epifanias onde – de forma inesperada – começamos a desenvolver sentimentos dúbios por personagens tão desprezíveis como o próprio Capitão Pátria e – quem diria – o Profundo.
Conectando os arcos dos personagens com naturalidade,The Boys traz não somente heróis e vilões ,mas personagens bastante tridimensionais para explorar tanto suas qualidades, quanto suas fraquezas.Todo mundo tem um algo que o torna ou fez a se tornar ou algo bom ou ruim,e isso traz inúmeros sentimentos para nós que estamos acompanhando nos importar e até odiar decisões tanto dos “mocinhos” como pelos “vilões”, todos são cinza e falhos.Ainda que alguns pontos fiquem aqui e ali um tanto solto, eles não conseguem ofuscar toda a maestria do roteiro além de conectar bem os diversos arcos, traz mais temas atuais para seu front.
Abordando questões sociais mundiais tão importantes, a série extrapola os limites de uma produção fictícia mais uma vez, tratando problemáticas genuínas e reais como a manipulação midiática, os jogos políticos-partidários e o poder doentio e perigoso por trás de algumas seitas religiosas tão macabras e que ainda permanecem impunes diante da sociedade contemporânea.
A personagem da Tempesta (Stomfront) chega para sacudir os núcleos. A personagem da Aya Cash, diferente de sua contraparte nos quadrinhos, um homem nazista raiz, aqui se personifica em uma heroína influenciadora nas redes sociais por “falar o que pensa”, se tornando assim uma queridinha da massa, que ao entrar para os Sete consegue estremecer o grupo, principalmente com o Capitão Patria e arquitetar seus planos nefastos que ao longo da temporada se fazem mais parecidos com que os nossos atuais momentos das redes sociais se encontram.
Alias a manipulação midiática das mídias sociais são uma das melhores abordagens da série. Como uma informação pode passar a ser verdade ou mentira em questão de segundos dependendo do grupo que esteja sendo reportado e também como elas moldam as pessoas que passam a definir seus argumentos como definitivos é assustador! (vide o inicio de um episódio da temporada destaca isso).
O protagonismo feminino é outro ponto a destacar. Starlight (Erin Moriarty) e Kimiko (Karen Fukuhara) evoluem e a mudança fica nítida na personalidade de suas personagens, mostrando que não é possível elas se manterem as mesmas depois dos acontecimentos da primeira temporada. Já Queen Maeve (Dominique McElligott) recebe uma interessante atenção, proporcionando necessários debates sobre orientação sexual e a exploração do assunto pela mídia.Alias há momentos únicos que a série usa da sua acidez para criticar e criar uma deliciosa antítese à própria imagem feminina forçada, além de nos brindar e ensinar a Hollywood como usar o momento “girl power” sem soa forçado.
O elenco mais uma vez está sensacional! Karl Urban, Anthony Star,Aya Cash,Erin Moriarty,Giancarlo Esposito(ainda que pouco tempo) entre tantos outros entregam profundidade aos seus personagens que amamos e odiamos no mesmo nível.Até o ultimo episódio me vi quase que me interagindo e passando de todas as tramas e acontecimentos, me importando com as decisões tomadas e tal. Poucas vezes me vi assim, e tenho certeza que você que está lendo assim como eu deva ter tido algo devido ao grau de imersão de seus atores a eles.
Bom, The Boys tudo funciona tão bem que até os deslizes passam batidos visto que a série só evoluiu tanto em roteiro e desenvolvimento como sua brutalidade se mantem intacta e seu gancho abre inúmeras e surpreendentes possibilidades para um futuro ainda mais promissor. Por favor Amazon não demore em nos trazer os “Garotos” de volta!