Com seus primeiros minutos retratando um relacionamento potencialmente problemático mas ainda assim muito fofo, é fácil acreditar que História de Um Casamento será um filme mais tranquilo, refletindo sobre o fim de um casamento de forma que nos deixa melancólicos – uma coisa no estilo do terceiro ato de La La Land. O trailer fofíssimo ao som de Maybe I’m Amazed, do Paul McCartney, só reforça essa impressão.
Mas o filme vai em uma direção diferente – como o próprio mediador explica no começo, é importante saber porque os dois resolveram se enfiar nessa história em primeiro lugar, já que agora só vemos o pior dos deles.
A história não retrata o fim de um casamento, já que o matrimônio de Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson) não tem mais chances de salvação desde o início do filme, e sim a evolução dolorosa de um relacionamento complexo, em que os dois vão se machucando e se deixando machucar ao tentar encontrar um equilíbrio.
Nicole, uma atriz famosa por uma comédia romântica antiga, se ressente de seu marido, um diretor de peças off-Broadway, e com razão. Charlie não faz questão de ouví-la, tomando silêncios como sim e desejos como sugestões. Quando Nicole percebe que ele não a vê como um ente separado dele, ela percebe que ela mesma vêm se colocando a sombra de Charlie. E essa soma de pequenas feridas que se transformam numa infecção purulenta é o fim para qualquer relacionamento.
Quando Nicole se afasta fisicamente de Charlie e percebe como os outros a valorizam e aceitam seus pedidos, ela abre espaço para todo o ressentimento que sente dele. Essa raiva toda é acolhida por Nora (Laura Dern), uma advogada de divórcio impiedosa. Nicole quebra o acordo que tinha com Charlie de se divorciar sem advogados, e ele fica cada vez mais em choque ao perceber que não conhece a pessoa com quem passou anos casado.
Porém, durante a progressão do relacionamento no divórcio, Charlie também faz suas sofridas concessões, tendo sua carreira prejudicada, gastando dinheiro de prêmios com processos jurídicos e indo morar na cidade que sempre odiou.
É triste de ver como duas pessoas podem se ferir tanto por dialogar tão pouco. E desesperador ver como o processo judicial americano de divórcio, repartição de bens e guarda desumaniza os envolvidos.
Os advogados, com a exceção de Bert (Alan Alda) – um senhor simpático que se divorciou diversas vezes e sabe exatamente o mal que o processo causa – são cruéis e fingem se importar com os clientes, mas vão de encontro aos desejos deles para amaciar seus egos. Eles não fingem não ver a dor que causam em sua disputa por migalhas e pseudo-vitórias.
Nora até tem um momento de verdade, em que Dern brilha ao explicar, em um monólogo muito bem escrito, os diferentes padrões de comportamentos exigidos de mães e pais. Porém, são os advogados os personagens mais rasos da história, tirando ainda algum mérito de Laura e seu monólogo por Nora ser tão parecida com Renata Klein, de Big Little Lies, dando a impressão de que não estamos vendo essa atriz capaz se desafiar.
Mas era necessário escolher que personagens aprofundar, e Noah Baumbach escolheu bem. Charlie e Nicole são tão verossímeis que eu acredito que posso esbarrar com eles na rua. Scarlett tem momentos absurdos de bons, como o monólogo no escritório de Nora, em que ela recita o roteiro de forma tão natural que é esquisito descobrir que ela não estava improvisando. Porém, quando o destaque da cena não é ela, é mais fácil ver a Scarlett atuando como Nicole, a emoção parecendo um pouco mais forçada, a linguagem corporal mais exagerada para compensar.
Adam Driver não descansa em nenhum momento, sempre dando o máximo de si para manter Charlie e nos fazer entender a crise em todos os aspectos de sua vida com um personagem que pouco gosta de se expressar. Sua cena para mandar para premiações é a briga com Nicole em na sala de seu apartamento vazio, mas meu momento preferido é quando ele lê a carta de Nicole em que ela declara tudo que já sentiu e sente por ele. É um momento cheio de dor, em que até o fechado Charlie tem dificuldade de conter suas emoções.
Mas Baumbach merece louvor pelo combo de direção e roteiro, com um destaque especial para o último. Todo mundo acaba escolhendo um lado, mas Charlie e Nicole são tão bem escritos que até o defensor mais ferrenho de qualquer um dos dois pode ver que nenhum deles está certo.
Como diretor, algumas de suas cenas são muito bem feitas – especialmente quando Nicole chama Charlie em sua nova casa e pede ajuda para fechar o portão. É triste ver as barreiras entre os dois ficarem cada vez mais sólidas. Também é interessante filmar a ligação em que Charlie percebe o quão longe Nicole foi no divórcio com ele andando por Midtown, em Nova York, caos envolvendo tanto o personagem quanto o espectador.
Porém o filme perde o ritmo e se arrasta em vários trechos, e os diálogos após passagem de tempo, em que dois personagens discutem algo que eles já sabem apenas para informar o espectador, chamam muita atenção em um filme tão verossímil.
História de Um Casamento passa longe de ser um simples drama romântico, deixando o espectador ansioso depois de tanto desperdício de recursos e agressões trocadas entre os dois. É um filme melancólico, sim, mas que não se contenta com fotografia triste e piano melódico, se propondo a ir a fundo no que leva duas pessoas que se amam a se tratarem tão mal, até um dos lados cansar.