Após fazer muito barulho no cinema com filmes como Homem de Ferro, Capitão América e Os Vingadores, a Marvel decidiu volta um pouco sua atenção no mundo das séries de TV a partir de 2013. Foi quando nasceu Agents of S.H.I.E.L.D, estrelada por Clark Gregg. O início da trajetória não foi das melhores. Trama pouco interessante, efeitos especiais de qualidade duvidosa, elenco pouco inspirado… O inicio foi trágico e afastaram da série muita gente. Quem resistiu, até conferiu uma melhora significativa e hoje a série conta com uma história própria e não sobrevive apenas de participações especiais. Ainda assim, a primeira impressão não foi das melhores.
Então chegamos a 2015. Lançada em janeiro, Agent Carter foi excelente do começo ao fim e deixou o gosto de quero mais após apenas oito episódios. Com o fim da primeira temporada, os fãs da Marvel voltaram sua atenção e expectativa para Demolidor. Pois bem, agora que a série está no ar podemos garantir que eles não irão se decepcionar.
A série (a primeira da parceria Marvel e Netflix) de cara, logo em seu primeiro episódio, já entende algo sobre o herói cego da Marvel Comics que o filme com Ben Affleck foi incapaz. Apesar de ter seus outros sentidos ampliados pelo acidente que lhe tirou a visão, Matt Murdock não é um super-herói convencional.
Nos quadrinhos, o Demolidor aparece, sim, balançando-se por Nova York, feito um Homem-Aranha, mas sua agilidade e força são iguais à de qualquer atleta. Dessa maneira, em teoria, suas habilidades deveriam se parecer no “mundo real” muito mais com um Jason Borne do que com o aracnídeo. O Demolidor estabelecido nas HQs está mais para uma história policial do que uma aventura de mascarados superpoderosos, afinal.
Inspirado na obra de Frank Miller um dos mais brilhantes quadrinistas que nos anos 80, aproveitou do personagem na época de quinto escalão na Marvel, beirando o cancelamento, para extravasar sua criatividade e afinar suas habilidades como quadrinista para transformar – lo em um personagem de destaque como um herói tipicamente urbano.
A série começa com Matthew Murdock quando criança, sofrendo o acidente que o deixa cego, numa demonstração clara de que a produção não estava disposta há perder muito tempo mastigando a origem do herói para os fãs, o que é ótimo. No mundo frenético de hoje, há pouca coisa pior numa série ou filme que duvidar da capacidade de seu espectador em ligar as pontas. Daí, poucos minutos depois, já nos deparamos com Matt já crescido e abrindo uma firma de advocacia ao lado do amigo de faculdade. Idealistas, eles sonham em defender os oprimidos.
Com contatos na polícia, eles conseguem uma primeira cliente, que está sendo acusada de assassinato. Após um primeiro contato, eles decidem assumir o caso e Matthew passa a procurar provas da inocência da jovem, chamada Karen Page. Eles acabam em meio a uma grande conspiração, que envolve importantes criminosos de Nova York. Se de dia, Matt tenta usar seus dons de advogados para ajudar a jovem. De noite, ele veste uma máscara preta e usa seus sentidos apurados para enfrentar criminosos e descobrir quem está por trás de toda a história.
Ao pouco, vamos descobrindo que a situação é muito mais complexa do que parecia. O que nos dois primeiros episódios parece algo envolvendo apenas uma empreiteira suja, com o tempo se revela apenas a base da pirâmide, que tem no topo um homem chamado Wilson Fisk.
Nós estávamos acostumados com um tom mais alegre e brincalhão em relação às obras da Marvel, mesmo com o último filme do Capitão América e o próximo dos Vingadores mostrando algo diferente. Muitos ainda viam a DC comics como quem explorava um lado mais sombrio dos seus heróis. Bom, Demolidor chegou para mostrar como realmente explorar o lado sombrio da Marvel e como conduzir uma série de super-heróis.
Com cenas de impacto duro, violentas sem serem gráficas, e ação estilo parkour, Demolidor apresenta um retrato fiel e centrado do personagem Marvel. Em termos de ação, é excelente ver as seqüências filmadas de muito perto, em longos takes – incluindo um fantástico plano-sequência -, valorizando a sensação dos combatentes de estar em uma pancadaria daquelas em que a brutalidade vale muito mais que o estilo, como vemos ao final do segundo episódio, que parece retirado do Oldboy original.
Escritos pelo criador Drew Goddard, com a contribuição de nomes como Stan Lee e Frank Miller, os roteiros são uniformes e bem desenvolvidos. Com a ajuda de flashbacks, aos poucos, vamos descobrindo mais sobre Matthew e Fisk. Neste sentido, é curioso notar que os dois surgiram em situações parecidas e desenvolveram um sentimento de carinho pela mesma região de NY, Hell’s Kitchen. Ambos perderam os pais quando pequenos. Embora em situações diferentes, ambos possuem um pouco de culpa por tal perda.
Charlie Cox , Elden Henson e Deborah Ann Woll estão excelentes como Matt, Foggy e Karen Page. Os fãs de quadrinhos certamente reconhecerão sem esforço nuances dos personagens conhecidas de décadas na tela. Do outro lado, Vincent D’Onofrio faz um Rei do Crime fascinante, com a dualidade do personagem como deveria ser. Um homem atormentado e ao mesmo tempo brutal e explosivo, em uma das melhores interpretações de vilão de quadrinhos que a TV já viu. Demolidor é tanto a sua história de origem quanto a de Matt Murdock – e ambos, a princípio, competem pela empatia do espectador.
Demolidor é uma série ousada e intrigante, que ainda oferece algumas boas reflexões políticas, jornalísticas e religiosas, aliado ainda a maneira Marvel de unir todo seu coeso universo dos cinemas com suas series. Agora é aguardar pelos próximos desdobramentos dessa série, com outros heróis urbanos da editora – Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro (e a torcida por Justiceiro, Cavaleiro da Lua e Elektra – que teve uma breve pista) – e vê-los formando os Defensores nas telinhas. O futuro é absolutamente promissor para os personagens Marvel na Netflix e sementes diversas foram plantadas neste primeiro e excelente passo.