Baseado(ou seria uma releitura?) na série de mangá homônima de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, Death Note carregava uma enorme expectativa dos fãs da obra, não só devido ao selo Netflix como possivelmente ser melhor que suas adaptações live actions locais, que também não conseguiram captar a essência dela. Os trailers que foram divulgados desacreditaram os fãs dessa possibilidade.
Light Turner (Nat Wolff) é um estudante ainda no high school americano – vivendo em Seattle ele não é estranho à violência urbana, que muitas vezes se faz presente dentro de seu colégio, tomando a forma de bullying. Sua vida muda completamente quando um misterioso caderno, o Death Note, cai dos céus logo ao seu lado. Nele estão escritas inúmeras instruções e a primeira delas diz que o humano cujo nome for escrito nessas páginas irá morrer. Após testar a veracidade desse objeto, Turner inicia uma cruzada, ao lado de sua namorada, Mia Sutton (Margaret Qualley), para livrar o mundo de criminosos, iniciando pelo assassino de sua mãe, que não fora preso.
Em primeiro lugar, Death Note vai pedir um exercício de desprendimento muito grande por parte dos fãs do anime e do mangá, e isso foi um movimento ousado e arriscado por parte da Netflix, que resolveu contar uma nova história de um mangá tão aclamado e famoso.
O filme conta com um bom início, sabendo localizar com precisão sua trama no ocidente, adotando uma narrativa mais pé no chão, que torna Light um garoto como qualquer outro. O roteiro, assinado por Charley Parlapanides, Vlas Parlapanides e Jeremy Slater se preocupa em demonstrar o descontentamento do jovem antes desse se tornar Kira (nome, aliás, que é justificado dentro do filme, por mais que soe como homenagem ao material base). O protagonista é alguém com quem, imediatamente, foi feito pra se identificar com o publico casual, mesmo com alguns gritos estridentes (que chega a ser cômico) de Nat Wolff. Comparar essa obra com o material base, contudo, é inevitável e não há como não perceber a diferença do grau de inteligência entre Yagami e Turner.
O problema já vem a partir daí. O filme diz que Turner é inteligente, mas demostra da pior forma, sendo a prova do seu intelecto é fazer deveres de casa para outras pessoas por dinheiro e não mostrando que ele é um aluno dedicado e muito acima da media de outras pessoas como no mangá. Mesmo querendo nos desprender as comparações são inevitáveis, o que faz achar ainda mais brechas no roteiro do longa.
Evidente que a intenção era mostrar que Turner não se corrompe tão fácil quanto Yagami – ele não se enxerga como deus, da mesma forma que sua contraparte, assim, ações como matar policiais não podem ser justificadas. Sua intenção é transformar Kira em uma divindade, como se vestisse um símbolo, da mesma forma como os super-heróis que vemos infestando as telas de cinema. Podemos dizer, portanto, que essa versão de Death Note foge muito dos questionamentos levantados pelo mangá original, por mais que o grande dilema sobre matar criminosos com o caderno ainda se mantenha,em geral,intacta.
Infelizmente o próprio filme perde a chance de trabalhar essa abordagem, deixando isso apenas no sub-texto do filme ao invés de inserir de forma mais contundente nos diálogos dos personagens.
A adaptação cai ainda mais na mesmice ao passar certas ações mais sombrias do protagonista para Mia, soando como a típica produção hollywoodiana de gato e rato, tirando, pois, grande parte da alma da obra. Chega a ser irônico constatar que, durante boa parcela da produção, o Death Note em si não faz a menor diferença na narrativa, visto que o texto prefere focar na perseguição a Kira, sem saber unir toda a mitologia desse caderno ao que está sendo mostrado em tela. É quase um filme teen investigativo com toques sobrenaturais bem clichês.
O maior deleite deste filme é ver Willem Dafoe no papel do shinigami Ryuk trazendo uma força externa, que simplesmente não se importa com nada nem ninguém que esteja envolvido no seu joguete sádico. Se por um acaso a raça humana inteira se extinguisse por conta do fato dele ter entregue o Death Note para Light, Ryuk literalmente estaria se divertindo. Dafoe bos dá uma atuação incrível que delegava uma presença sinistra e poderosa, ao mesmo tempo que sagaz e carismática para o personagem.
Já as atuações de Nat Wolff e Margaret Qualley beiram ao ordinário, pois enquanto um entrega reações exageradas e emoções quase novelísticas, a outra tem a expressão e a emoção de uma Kristen Stewart em Crepúsculo.
Keith Stanfield também entrega uma atuação péssima, que não lembra em absolutamente nada o genial e interessante L. Em nenhum momento o ator consegue passar a inteligência e estranheza inerentes do personagem, restando apenas uma pessoa inteligente comum sem nenhum traço psicológico do personagem original.
A trilha sonora do filme é um outro problema no filme. Incomoda demais em determinados momentos do longa. A produção parece querer embarcar na atual tendência dos filmes de heróis, que tem feito a trilha sonora fazer parte do filme como um personagem presente – e ao invés de fazer isso, conseguem fazer com que a trilha seja algo completamente fora ao sentimento que a cena quer mostrar, criando um incômodo em dois momentos específicos, um grande anti-clímax para a obra.
A decisão de simplificar os dilemas que permeiam a vida de Light e L fazem dessa releitura/adaptação de Death Note um filme sem identidade que se classifica como qualquer outro filme teen em Hollywood. É triste ver que a obra de Ohba e Obata jamais ganhará uma versão digna em live-action.