‘Até que a Culpa nos Separe’ não esconde a proposta, mas inova no desfecho

João Fagundes
5 Min de Leitura

A autora australiana Liane Moriarty está em um momento de prosperidade. Após seu livro “Pequenas Grandes Mentiras” ganhar uma adaptação para uma série na HBO (a conhecida “Big Little Lies“) e outros livros próximos de serem adaptados para o cinema. Não demorou muito e seus lançamentos ganharam muito mais visibilidade, entre eles está “Até que a Culpa nos Separe” que revela de uma forma intensa a fragilidade das relações que as pessoas cultivam em suas vidas. Por essa razão o padrão de suas capas são de objetos fragmentados de uma forma quase que visceral, além da habilidade que a autora tem para particularizar cada personalidade de seus personagens.

A história narra o convívio das amigas de infância, Erika e Clementine, que fundamentam a popular frase “os opostos se atraem”. Erika é obsessivo-compulsiva, reunindo TOCs que qualquer um pode se identificar a princípio, por essa razão ela e o marido são contadores e não tem filhos. Já Clementine é mãe de duas meninas, uma talentosa violoncelista e casada com um marido sem talentos aparentes, mas está constantemente descontente com sua relação. Após ambas as famílias serem convidadas para um churrasco de domingo em uma casa de vizinhos ricos e extravagantes, tudo muda, pois o que era pra ser uma tarde agradável, se torna uma bomba que atrapalhará a vida de todos os envolvidos.

Moriarty faz mais um entrelaçamento de acontecimentos que nos faz acompanhar até que os fatos anteriores e posteriores se unam. Tal tecnica nos remonta ao próprio “Pequenas Grandes Mentiras“, mas sob um novo contexto e com uma atmosfera ainda mais assombrosa. A veracidade da obra está onde se espera, já que ela mostra os verdadeiros desejos de uma mulher na faixa etária dos 30 anos. Saber escrever sobre mulheres não é tarefa fácil para qualquer autor, mas a autora parece ter facilidade nisso, pois roubam a cena enquanto os homens ficam em segundo plano. Ao mesmo tempo, entramos na cabeça de uma personagem com sérios problemas em lembrar do infeliz dia que compartilhou na casa de Tiffany e Vid.

A ideia de um suspense é o que nos prende, pois será fácil ler até o fim quando existe um mistério. É claro, não chega a um nível de um thriller semelhante ao “Garota Exemplar” de Gillian Flynn, que maltrata tanto os personagens e nos deixa numa tensão angustiante, e diferente de Liane, que trata melhor seus personagens, dando escolhas mais dignas até para assuntos mais sérios. Trazer um pouco da cultura do lap dance foi um elemento divertido que permeia partes variadas da trama. As duas amigas são a representação das típicas amizades entre mulheres, pois existe um pouco de tudo nela. Carinho, Inveja, Ciúme e é claro, a culpa. Temos aqui os principais problemas entre casais e amigos: a diferença de criação das famílias colidindo entre si, e também os pais que querem dar aos filhos o oposto do que tiveram na sua infância.

Além das duas famílias encontraremos o casal que sediou o churrasco e sua filha única, que são vizinhos de um senhor idoso um tanto rabugento, conhecido apenas como Harry. Todos esses personagens terão envolvimento crucial para o desenrolar da história, afinal, em dado momento veremos o lado da história de todos. Mesmo com menor destaque, merece uma menção aqui a mãe de Erika, personagem que nos emociona muito por tratar-se de um problema complexo e ainda assim, comum em qualquer núcleo familiar. Como o título sugere, as relações aqui (sejam de amigos, casamentos, familiares) ameaçam ruir, em razão das dificuldades pessoais de cada um.

Sua Conclusão é o que revela o real motivo desse livro ter sido escrito. Sem faltar com sua proposta, Moriarty tem um dom para compor capítulos curtos de grandes livros, onde todos os acontecimentos se passam em um curto período de tempo. As crianças sempre serão importantes para suas obras, assim como são importantes para suas mães. Tanta engenhosidade reúne algumas referências de obras atuais como “Jogos Vorazes” e “Cinquenta Tons de Cinza“, livros escritos por mulheres, mostrando que as autoras não podem, mas sim DEVEM se unir. E o que o amor e consideração une, a culpa poderá separar… no futuro. A sensação final pode ser um misto de alívio com saudade.

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Mais um Otaku soteropolitano que faz cosplay no verão. Gamer nostálgico que respira música e que se sente parte do elenco das suas séries favoritas. Aprecia tanto a 7ª arte que faz questão de assistir um filme ruim até o fim. É um desenhista esforçado e um escritor frustrado por ser um leitor tão desnaturado. É graduando no curso de Direito e formado no de Computação Gráfica. “That’s all folks!"
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